Em Dezembro de 2016 chegaram ao fim mais do que 43 anos de trabalho do Teatro da Cornucópia. 127 criações, 3 estreias mundiais, 25 textos dramáticos portugueses, dezenas e dezenas de actores de todas as gerações, encenadores convidados, espectáculos acolhidos e co-produzidos.
Pensamos que ao longo destes anos fizemos muito e menos mal, mas também pensamos já ter idade para ousar dizer que não saberíamos, nem quereríamos, adaptar-nos a modelos de gestão que dificilmente nos habituaríamos a cumprir. Isso faríamos mal.
Ao longo dos muitos anos de dependência financeira do Estado, reivindicada como indispensável, várias vezes afirmámos em pedidos de subsídio e relatórios, que as verbas concedidas eram insuficientes para o projecto de, ao nosso modo, fazer teatro.
Quando essas mesmas verbas atribuídas para financiamento das estruturas sofreram sucessivos cortes e, tendo em 2011 ocorrido um corte substancial que se foi agravando nos anos seguintes, vimo-nos obrigados a rever escolhas de programação e respectivas formas de produção, de modo a viabilizar os nossos projectos, sem alterar a exigência a que sempre nos obrigámos. As co-produções e alguns apoios pontuais como os da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e dos Amigos da Cornucópia, contribuíram para a sustentabilidade do funcionamento do Teatro da Cornucópia (TC).
Antes que se cumprisse o último ano do quadriénio de subsídio a que estivemos vinculados (2012-2016), considerámos já a possibilidade de o não praticar, por admitir que era difícil a sua plena realização. Mas insistimos em continuar. A evidência da situação limite das nossas possibilidades de assegurar o cumprimento de novos projectos, neste quadro de financiamento, levou-nos a considerar como incontornável o fecho do Teatro da Cornucópia.
Tal decisão foi informalmente comunicada ao Secretário de Estado da Cultura em Julho de 2016 e no fim de Outubro teve lugar uma reunião no Palácio da Ajuda, que contou também com a presençade uma representante da CML. Foi então apresentada a situação e, no decurso da conversa, e por nós abordada questão relativa à CASA, onde desde 1975, a Companhia trabalhou. Antigo Centro de Amadores de Ballet, este espaço foi, por intervenção de João de Freitas Branco, cedido ao Teatro da Cornucópia pela Secretaria de Estado da Cultura, desde então seu arrendatário. Um lugar excepcional, ao longo do tempo alvo de obras de melhoramento essencialmente suportadas pelo Estado. Admitíamosque esse mesmo espaço, equipado e com tudo o que continha, pudesse vir a ser aproveitado pelo Estado para fins culturais de interesse público.
No dia 17 de Dezembro de 2016 foram, pela última vez, abertas as portas do Teatro da Cornucópia com entrada livre para apresentação de um recital de textos de Apollinaire, em que participaram inúmeros actores, músicos e cantores que connosco trabalharam ao longo dos anos. Esse foi também o dia escolhido para o lançamento do 2.º volume do livro/catálogo dos últimos 14 anos de actividade da Companhia.
A presença inesperada do Senhor Presidente da República, a visita do Sr. Ministro da Cultura, o acompanhamento por parte dos meios da Comunicação Social, criaram, naquele momento particularmente delicado, alguns lamentáveis mal-entendidos. “Um golpe de teatro?” “Desejo de um estatuto de excepção?”...O tempo se encarregará de tudo esclarecer!
A partir dessa data o Teatro da Cornucópia encerrou a sua actividade artística e como empresa deu início ao processo de implementação de fecho, nas suas diversas vertentes (questões laborais, encaminhamento do património/espólio, etc.), mantendo-se em contacto com o Ministério da Cultura (MC).
Apresentavam-se dois quadros possíveis para a dissolução da sociedade:
- INSOLVÊNCIA, com um gestor por parte do Estado que procederia ao desmantelamento e venda do património, sem outro critério que não o de criar verbas unicamente para o pagamento de indemnizações aos trabalhadores;
- LIQUIDAÇÃO, sob a responsabilidade dos dois sócios da empresa, Luís Miguel Cintra e Cristina Reis, que cessariam a actividade da sociedade e venderiam os bens com a finalidade de indemnizar os trabalhadores.
Na verdade, a solução para nós desejável e expressa aos nossos interlocutores, seria uma terceira: que se encontrasse em conjunto um destino para aquele espaço e o volumoso património que ele continha, utilizando-os em actividades culturais consideradas pelo Ministério da Cultura de utilidade e interesse público. E que esse patrimónionão representasse apenas um bem capaz de pagar indemnizações aos trabalhadores, a única dívida da empresa e resultante do seu encerramento.
Ouvimos do Ministério a sua intenção de assegurar por 1 ano o pagamento da renda do espaço ocupado, pertença da Fundação Madalena Mello, para que durante esse período, com o apoio da equipa do Teatro Nacional D. Maria II, se procedesse ao inventário rigoroso do património existente. O destino das instalações era então ainda uma incógnita para o MC, dependendo da vontade dos diversos intervenientes (MC, CML e proprietário).
Abrindo-se um caminho para a liquidação, e no sentido de proceder a um encerramento cuidadoso, propusemos ao MC um apoio financeiro que nos permitisse encontrar forma de o implementar, pelo que nos foi solicitada a elaboração de um caderno de encargos correspondente aos custos inerentes aos trabalhos de encerramento da empresa, no período de tempo necessário à operação: indemnizações, funcionamento da estrutura, etc. Sugerimos reduzir para 6 meses a duração desse período, minimizando gastos que prevíamos difíceis de suportar. Nesse sentido, seria drasticamente reduzida a equipa fixa de trabalhadores, sem comprometer a implementação do processo em curso. Esse plano poderia vir a ser suportado financeiramente pelo MC, uma vez avaliado e ponderada a sua exequibilidade.
Previu-se um processo de liquidação a decorrer ao longo de 6 meses sob a responsabilidade exclusivados dois sócios gerentes, já que o Ministério da Cultura (MC) optou por não fazer parte da comissão liquidatária. Foram estabelecidos e acordados os destinos e entidades que viriam a receber a parte do espólio a ser salvaguardada e não vendida.
Tomámos as opções que nos pareceram ser mais adequadas à venda do património e o resultado desta,não só permitiu o pagamento rápido das indemnizações da equipa, como se demonstrou capaz de sustentar as despesas inerentes ao funcionamento da casa até ao seu fecho.
Mas, na medida do possível, também quisemos e pudemos ainda oferecer a outras estruturas uma quantidade substancial de bens e equipamentos pertencentes à Companhia.
No decorrer do processo, não viriam a concretizar-se os apoios originalmente previstos para a inventariação do espólio. Essa tarefa, bem como o encaminhamento dos diversos materiais, foi sendo concretizada pelos nossos próprios meios e de acordo com as nossas possibilidades.
Contudo, meses passados e no decorrer do processo, surgiram a um dado momento alterações expressas pelo MC que contrariavam os anteriores acordos quanto ao destino do espólio, vindo até a ser manifestado publicamente interesse na aquisição de património. Entendia então o MC que o seu apoio seria justificadose o espólio fosse encaminhado para o Museu Nacional do Teatro e da Dança e não para o Centro de Estudos de Teatro e para o Museu do Design e da Moda (em depósito) como foi, desde o início, desejo expresso pela direcção do TC. Na realidade, nesse momento, uma parte significativa das vendas havia sido já concretizada e o processo era irreversível.
Ao longo de todos esses meses, o MC não encontrou a forma que considerasse adequada e que justificasse o apoio financeiro que solicitámos, à excepção do pagamento daquele espaço que também não foi desejo seu manter para além de Julho e que, por acordo com o proprietário, ocupámos até ao seu esvaziamento em Novembro. Acabou sendo a venda do património do TC a cobrir todas as despesas desta operação, que 11 meses passados, pudemos dar por concluída.
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