Olá e Adeusinho
de Athol Fugard
Tradução Jaime Salazar Sampaio
Encenação Beatriz Batarda
Cenário e Figurinos Cristina Reis
Desenho de luz José Nuno Lima
Sonoplastia Sérgio Milhano
Acompanhamento vocal Teresa Lima
Desenho de lutas Sérgio Grilo
Assistentes para o cenário e figurinos Linda Gomes Teixeira e Luís Miguel Santos
Director técnico Jorge Esteves
Responsável técnico em digressão André Silva
Construção e montagem de cenário João Paulo Araújo e Abel Fernando
Montagem de luz Rui Seabra
Guarda-roupa Maria do Sameiro Vilela
Conservação do Guarda-roupa Maria do Sameiro Vilela
Contra-regra André Silva
Secretária da Companhia Amália Barriga
Interpretação Catarina Lacerda e Dinarte Branco
Lisboa: Teatro do Bairro Alto. 06/05 a 06/06/2010
28 representações
Co-Produção Culturproject / Teatro da Cornucópia / Arena Ensemble
Estrutura financiada pelo Ministério da Cultura / Direcção Geral das Artes
Digressão:
Cartaxo: Centro Cultural. 27 /03/2010
Torres Novas: Teatro Virginia. 10/04/2010
Fafe: Teatro-Cinema: 17/04/2010
Bragança: Teatro Municipal. 22/04/2010
Estarreja: Cine-Teatro. 24/04/2010
Beja: Teatro Municipal Pax-Julia. 01/07/2010
Faro: Teatro Municipal. 15/07/2010
Athol Fugard é o autor sul-africano mais reconhecido em todo o mundo. Nasceu em 1932 e com THE BLOOD KNOT de 1961, que escreveu e dirigiu com um elenco de brancos e negros, cria uma nova fricção na história do Apartheid. A sua persistência e tenacidade haveriam de o tornar um símbolo da resistência artística em todo o mundo.
A peça fala-nos de dois irmãos que adiaram a responsabilidade de serem adultos, ao ponto de perderem a razão da sua existência. Agora, confrontados com a morte do pai, descobrem que não sabem viver com o outro, com o mundo, nem conseguem construir um futuro.
Ouvimos ao longo de cerca de duas horas as histórias de um passado familiar sofrido, a história de um país sofrido pela guerra, pela desigualdade e pela miséria, a história da religião nas culturas de origem ocidental, a história de tantos irmãos que questionam a sua identidade quando se tornam órfãos.
As suas personagens são construídas através de um jogo entre o discurso consciente e o discurso inconsciente, como se se tratasse de um puzzle psicológico e emocional complexo, que se revela perante as situações dramáticas. Quase tudo o que acontece, acontece através do discurso e do pensamento. Talvez seja esta a razão que torna as suas personagens tridimensionais e actuais.
“Não há Deus! Nunca houve Deus!”
Numa África do Sul presa no regime do Apartheid, onde a população está dividida por categorias que se definem pela cor (negros, mestiços, asiáticos e brancos), o dia a dia dos sul-africanos faz-se em função das muitas leis que impõem a separação.
Um negro não pode viver onde entende, não pode amar quem entende, não pode decidir onde trabalhar, o “cafre” (nome atribuído aos negros pelo resto da população sul-africana) não tem o direito de votar, não tem o direito de escolher. O casamento entre categorias é proibido e as famílias são desfeitas ou exiladas. Vivem separados. Separados dos outros e dos seus.
O branco pode fazer algumas escolhas. Pode votar, pode viver onde entender, pode procurar trabalho em qualquer ramo, pode ser proprietário de terra ou gado onde entender, pode estudar em qualquer escola, mas não pode amar um negro, nem praticar sexo fora do casamento.
Johnnie e Ester são brancos, africânderes. Sabem o que significa “fazer uma escolha” e podem permitir-se dizer “mudei de ideias”. Mas o que descobrimos é que não têm na verdade esse poder, perderam-no ao longo dos séculos. Eles são o fruto de uma História feita à custa de erros, de enganos, de desresponsabilização. Assim como o governo branco define o destino de toda população não branca, também a fé total em Deus e na Bíblia condiciona o destino dos crentes.
Johnnie e Ester estão em conflito com as ideias calvinistas e em crise com Deus. Deus está presente em ambos, num pelo vazio e no outro pelo ódio. Eles tornaram-se vítimas dos valores, quase fundamentalistas, da comunidade afrikaans, da igreja calvinista: a família, Deus e auto-suficiência. A família desfez-se pela morte ou pelos desencontros, Deus parece ter morrido, estão sós. Presos no orgulho, do medo e do ódio, não souberam crescer e construir, deixaram-se ficar à espera, adiando o momento da responsabilidade.
Como lugar de representação criámos um espaço fragmentado:
Cubo/ possível desenho de uma estrutura que contém o que resta dos farrapos de um passado e a desolação final.
Latas/ condensado da carapaça de uma casa.
Mesa da cozinha/ centro da vida ao qual Johnnie e Ester estão amarrados.
Tudo o resto vazio. Só escuridão onde se instala o medo, o desconhecido, o desconforto, as memórias nebulosas de um passado que se confunde com um pesadelo, a visita de fantasmas. Um espaço não realista, onde só a acção do pensamento entre as personagens é real e concreta.
Quando estou a representar e a fazer escolhas concretas, para cada gesto, cada palavra, cada respiração, sei que as tenho de fazer com total responsabilidade, aceitando o risco do erro. Pergunto-me como será possível viver sem se assumir a responsabilidade sobre as nossas escolhas.
Talvez por isso tenha sentido a necessidade de visitar este texto de Athol Fugard...ou talvez por não ter compreendido momentos que vivi de separação pela morte...ou simplesmente por ter um interesse particular por estas questões da identidade... porque me pergunto muitas vezes sobre a existência de Deus ou por todas estas razões. Aqui estamos. Juntos.
Beatriz Batarda