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Historial

3 - O Terror e a Miséria no III Reich

Ficha Técnica

 

O Terror e a Miséria no III Reich

Dezasseis episódios de Bertold Brecht

 

Encenação Jorge Silva Melo e Luis Miguel Cintra

Tradução Fiama Hasse Pais Brandão

Cenografia Luis Miguel Cintra

Carpintaria Manuel e Gaspar

Guarda-roupa Elisa Alves

Secretária da companhia Helena Domingos

Fotografia e direcção de cena Paulo Cintra Gomes

Som José Caldeira e Maurício Cunha

Assistentes António Ferreira Campos e Jorge Alves da Silva

Interpretação

Augusto de Figueiredo

Dalila Rocha

Glicínia Quartin

Helena Domingos

Jorge Silva Melo

Luís Lima Barreto

Luis Miguel Cintra

Orlando Costa

Pedro Penilo

Raquel Maria

 

Nota: Dalila Rocha foi substituída por Glória de Matos e Cecília Guimarães. Raquel Maria foi substituída por Lia Gama.

Música Verdi, Wagner e Richard Strauss

 

1. DESFILE DO POVO ALEMÃO. Glicínia Quartin

2. A COMUNIDADE NACIONAL. Berlim, noite de 30 de Janeiro de 1933. Dois oficiais SS descem a rua a cambalear. Apresentação Orlando Costa, O primeiro SS Luis Miguel Cintra, O segundo SS Luís Lima Barreto.

3. A CRUZ DE GIZ. Berlim, 1933. Cozinha de uma casa da alta-burguesia. Apresentação Orlando Costa, A criada Raquel Maria, O agente SA Orlando Costa, A cozinheira Glicínia Quartin, O motorista Jorge Silva Melo, O operário Luis Miguel Cintra.

4. A O SERVIÇO DO POVO. Campo de concentração de Oranienburg, 1934. Pequeno pátio entre barracas. Apresentação Cecília Guimarães, O SS Augusto de Figueiredo, O prisioneiro Jorge Silva Melo, O chefe de brigada Luis Miguel Cintra.

5. A JUDIA. Frankfurt, 1935. Noite. Apresentação Glicínia Quartin, A mulher Glicínia Quartin, O marido Augusto de Figueiredo.

6. A DENÚNCIA. Breslau, 1933. Casa pequeno-burguesa. Apresentação Luís Lima Barreto, A mulher Raquel Maria, O homem Orlando Costa.

7. O AGENTE. Colónia, 1935. Tarde chuvosa de domingo. Apresentação Luís Lima Barreto, A criada Helena Domingos, O marido Augusto de Figueiredo, A mulher Dalila Rocha, O garoto Pedro Penilo.

8. A HORA DO OPERÁRIO. Leipzig, 1934. Escritório do director de uma fábrica. Apresentação Luis Miguel Cintra, O locutor Luis Miguel Cintra, O operário idoso Augusto de Figueiredo, A operária Raquel Maria, Um membro da direcção Dalila Rocha, O operário Luís Lima Barreto, O SA Orlando Costa.

9. O ANTIGO PRISIONEIRO. Berlim, 1936. Cozinha de uma casa de operário. Manhã de domingo. ApresentaçãoHelena Domingos, O marido Jorge Silva Melo, A mulher Glicínia Quartin, O homem Orlando Costa.

10. OS SAPATOS PRETOS. Bitterfeld, 1935. Cozinha de uma casa de proletários. Apresentação Augusto de Figueiredo, A filha Raquel Maria, A mãe Glicínia Quartin.

11. O CAIXOTE. Essen, 1934. Casa de operário. Apresentação Glicínia Quartin, A mulher Dalila Rocha, Primeiro SA Luís Lima Barreto, Segundo SA Luis Miguel Cintra, Criança Pedro Penilo, Operário Orlando Costa, A mulher nova Raquel Maria.

12. O SERVIÇO DE TRABALHO. O campo. Luneburg, 1935. Uma coluna de trabalhadores em actividade. Apresentação Raquel Maria, O estudante Carlos Fernando, O operário Luís Lima Barreto, O capataz Jorge Silva Melo.

13. O SOCORRO DE INVERNO. Carlsruhe, 1937. Casa de uma mulher velha. Apresentação Augusto de Figueiredo, O primeiro SA Luis Miguel Cintra, O segundo SA Luís Lima Barreto, A velha Dalila Rocha, A mulher nova Raquel Maria.

14. O CAMPONÊS DÁ DE COMER AO PORCO. Aichach, 1937. Noite. Apresentação Raquel Maria, O camponês Augusto de Figueiredo, A camponesa Dalila Rocha, O Filho Luis Miguel Cintra, A filha Helena Domingos.

15. O VELHO MILITANTE. Calw em Wurtenberg, 1938. Praça com pequenas lojas. Ao fundo um talho; à boca de cena um depósito de leite. Manhã escura de Inverno. Apresentação Luis Miguel Cintra, Um pequeno-burguês Luís Lima Barreto, Uma mulher Helena Domingos, Um rapaz Orlando Costa, Outra mulher Raquel Maria, A empregada Glicínia Quartin, A mulher do carniceiro Dalila Rocha.

16. TRABALHO ASSEGURADO. Spandau, 1937. Um operário de regresso a casa. Apresentação Jorge Silva Melo, A vizinha Dalila Rocha, O homem Jorge Silva Melo, A mulher Glicínia Quartin.

17. DESFILE DO POVO ALEMÃO. Luis Miguel Cintra

18. O REFERENDO. Berlim, 13 de Março de 1938. Uma casa de operário. Apresentação Jorge Silva Melo, A mulher Glicínia Quartin, O operário mais velho Augusto de Figueiredo, O operário mais novo Luis Miguel Cintra.

 

Colaboração Hermann Pfluger, Cristina Baptista, Fátima Ferreira, Paulo Rocha, Portugália Editora, Leonor Cintra Gomes, Mercedes Lindley Mota, Armando Reis Vale, Paula Massano, Phillips, AR.CO.

 

Almada: Sociedade Filarmónica Incrível Almadense. Estreia: 13 de Julho 1974

 

Lisboa: Teatro da Trindade

Digressão: Barreiro, Setúbal, Faro, Loures, Alhos Vedros, Belas, Moscavide, Odivelas, Albarraque, Pontinha, Sacavém, Évora, Oeiras, Paço de Arcos, Amadora, Algés, Santarém, Porto, Leiria, Coimbra, Bombarral, Caldas da  Rainha, Marinha Grande, Pombal, Vila Verde, Alenquer, Tomar e Pinheiro de Loures

81 representações

Espectáculo subsidiado pela Fundação Calouste Gulbenkian. Subsídio do Ministério da Comunicação Social e do Ministério dea Educação e Cultura

Este Espectáculo

1. Depois do 25 de Abril quisemos representar o terror e a miséria no iii reich de Bertolt Brecht.

Porquê?

  • Porque este texto fala de um período histórico e de uma política do Estado com alguns pontos de contacto com o que se passou em Portugal;
  • Porque a perspectiva utilizada por Brecht para a análise desse período é a perspectiva do materialismo histórico;
  • Porque aquilo de que se fala e a partir do que nasce a análise são fundamentalmente as classes trabalhadoras contras as quais e para se utilizar das quais se ergue o Estado Nazi e também a integridade de cada homem dilacerado pelo domínio do bloco no poder e destruído nos planos mais imediatos da sua existência;
  • Porque não é este texto “porta-voz de qualquer moral mas porta-voz das vítimas”:
  • Porque um Teatro Crítico atento e debruçado sobre a história, apelando para a inteligência do público é (e foi) o Teatro que queremos fazer.

Como?

  • Porque queremos fazer um espectáculo sobre a história não quisemos confundir as especificidades dos fenómenos nacionalistas alemão e português e aos nazis queremos deixar o que fizeram. Assim recusámos todas as possíveis identificações entre o fenómeno alemão e português e quisemos localizar a acção na Alemanha entre 1933 e 1938 e que essa localização fosse um dado objectivo;
  • Porque queremos fazer um espectáculo sobre a história, queremos tratar o texto como um documento histórico, queremos fazer um espectáculo sobre o documento objectivo de um artista empenhado numa realidade sobre a qual documenta. Assim quisemos perspectivar o texto a partir do poema inicial, escrito em 1938, na iminência da II Guerra Mundial;
  • Porque quisemos pensar sobre a história queremos fazer um espectáculo claro, recusando todos os sensacionalismos que por tradição têm sido pertença do espectáculo teatral; quisemos assim uma representação simples, afastada das identificações psicológicas, e ao actor pedimos que fosse não um imitador mas um apresentador: do tema, do ponto de vista, da personagem, de si próprio; queremos um cenário e uma luz que recusam os efeitos autoritários da cena espectacular para claramente exibirem o que têm a exibir: os temas, os conflitos, as personagens, a perspectiva, a história; que-remos marcações cujo sentido se não faz a partir dos movimentos psicológicos mas sempre das necessidades explosivas do próprio espectáculo, queremos assim um espectáculo onde cada gesto, cada tom, cada acção possa ser vista e para que seja visto, queremos que seja definido, preciso e recortado sobre a realidade.

E queremos que seja visto para que seja pensado e sentido, ou seja, para que seja criticado.

Para quê?

  • Fazemos este espectáculo para fazermos teatro, actividade que pudemos escolher e actividade que consideramos importante na vida das comunidades, vida cultural que consideramos dever e direito de todos;
  • Fazemos este espectáculo para propormos uma análise de uma realidade histórica que poderá servir de modelo para outras análises;
  • Fazemos este espectáculo para aprendermos os meios que existem para podermos falar com as largas camadas de população de que nos obrigaram a estar arredados tantos anos de política “cultural”.

2. Dedicamos este espectáculo ao Grupo 4, aos actores Irene Cruz, João Lourenço, Moraes e Castro e Rui Mendes. Também eles queriam apresentar este texto e se somos nós quem agora o apresenta é porque para isso eles desistiram de o fazer.3

 

Brecht para nós

1. “O que Brecht nos deixou, para além das incontestáveis realizações teatrais ou literárias, para além das novas técnicas dramáticas ou dos novos processos retóricos foi um ensino: o exemplo de uma criação aberta sobre o mundo e as suas transformações, empenhada em dele dar pleno testemunho e assim obrigada a modificar-se incansavelmente numa clara consciência dos seus fins e dos seus meios.” (Bernard Dort, Lecture de Brecht).

Para além da sua obra é Brecht o autor de um “sistema” a ela directamente ligado e nela formado que se articula sobre vários pontos chave:

1) O público calmo: este teatro deseja ter um público calmo que siga a acção sem se contrair de maneira a poder tomar posições rapidamente. Os acontecimentos evocados devem sê-lo de tal forma que o público os possa controlar a partir da sua experiência graças à armação artística transparente da representação;

2) A intriga: deve o teatro privar a cena da sua substância sensacionalista;

3) O herói não trágico;

4) A interrupção: o teatro épico tenta provocar mais a surpresa do espectador do que a identificação com o herói. Esta descoberta obtem-se pelo afastamento (pela interrupção);

5) O “gestus” que se pode citar: “fazer de maneira a que os gestos possam ser citados”. “O autor deve espaçar os gestos “como um tipógrafo espaça as palavras”.

6) O actor: canções, títulos, convenções gestuais diferenciam as situações e limitam o ilusionismo do espectáculo. O actor deve manter-se frio; deve mostrar uma coisa e mostrar-se a si próprio;

7) o teatro no podium; o teatro épico é a tentativa de preencher o fosso da orquestra, de preencher o abismo “que separa os actores do público como os mortos dos vivos”. “Embora ainda, colocada a nível mais elevado, a cena deixa de parecer oriunda das profundezas imensas. Ela é o estrado onde homens falam a outros homens”. (Émile Copferman, segundo Walter Benjamin, in Quelque Chose a Changé…, “Théâtre et politique”, partisans, n.º 47).

Em constante “movimento”, o “sistema” de Brecht é um sistema aberto que articula estas várias realidades. (“O termo teatro épico é talvez demasiado rígido para qualificar o teatro que realizámos na prática. A expressão teatro épico tem de ser considerada como inadequada embora não tenhamos outra melhor para propor”. Brecht, A Dialéctica no Teatro).

2. Tem sido também sobre estas várias rea-lidades que o Teatro da Cornucópia na esteira do ensino brechtiano tem tentado trabalhar.

E para um público calmo quisemos fazer:

a) Espectáculos divertidos (“Renunciemos à nossa intenção de emigrar para longe do reino do divertimento e proclaremos a nossa resolução de nele nos instalarmos. Tratemos o teatro como o local onde as pessoas se divertem… Mas tentemos saber que espécie de distracção é que conside-ramos aceitável”. Pequeno Organon para o Teatro).

b) Espectáculos onde se exibe uma moral negativa quer no plano do comportamento individual (o misantropo de Molière) quer no plano da teoria social (a ilha dos escravos de Marivaux), morais representativas e documentadas (“O espectador do teatro épico diz: nunca tal imaginei. Não é assim que se faz. Isto é surpreendente, mal se pode acreditar. Isto assim tem de acabar. Os sofrimentos deste ser comovem-me porque haveria para ele uma outra saída. Esta é a grande arte: nada me parece inevitável. “Rio daqueles que choram em cena, choro dos que riem.”Brecht.)

c) Espectáculos onde a encenação propõe uma leitura crítica dos dados do texto considerado objecto histórico, quer através da inclusão de outros textos (como a herança onde a teoria social de a ilha dos escravos surge inserida num determinado esquema económico e social), quer sempre da distanciação crítica estabelecida entre a cena e o texto (lugar do cenário, das marcações, da representação que se não limitam a apresentar um texto mas sim a apresentá-lo criticamente). (A cena não deve reflectir a “desordem natural das coisas”. O novo teatro visa obter o contrário da “desordem natural”, ou seja, a “ordem natural”. O ponto de vista adoptado terá de ser histórico e sociológico. Brecht, citado por Manfred Wekwerth in Theater der Zeit, nº11).

d) Espectáculos onde o trabalho do actor, considerado elemento fundamental, não seja simples identificação com personagens imaginárias mas sim um trabalho produtor de sentido (“A técnica brechtiana da representação é baseada na concepção segundo a qual o actor não se deve considerar como incarnando a personagem mas como narrando os actos de uma outra personagem num momento determinado no passado. Para ilustrar esses actos e para os fazer compreender o actor executa os gestos feitos pela personagem. Imita o som da sua voz, reproduz as expressões do seu rosto mas apenas para os citar. O estilo de representação brechtiana consiste em representar entra aspas” Martin Esslin, Bertolt Brecht).

e) Espectáculos claros, iluminados, pensados para serem vistos de frente utilizando para tanto o “podium” do palco à italiana;

f) Espectáculos onde os próprios meios de produção teatral são expostos à evidência e constantemente jogados, na permanente interrupção da ilusão teatral.

3. Enquanto a fome durar, os teatros expe-rimentais terão de viver de uma grande dose de entusiasmo. É absolutamente indispensável concentrar os nossos esforços de forma a impedir que ruam os pilares da nossa cultura porque isso nunca nos perdoará o proletariado (Lenine). Se a “pilares da nossa cultura” acrescentarmos “reviscriticamente”, teremos aqui as bases de um teatro crítico (de um teatro histórico) que temos praticado como parte fundamental de um teatro dialético de que o sistema de Brecht é a básica proposta.

Certos de que os pensamentos dominantes são a expressão ideal das relações materiais dominantes, concebidas sob a forma de ideias, e assim a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante, ou melhor, são as ideias da classe dominante Karl Marx, A Ideologia Alemã) vemos na História do Teatro a história de um divertimento público (a história de um “tempo livre”) mais ou menos dependente das ideologias dominantes e destinado sempre ao consumo das chamadas “classes médias”. Na História do Teatro vemos o teatro como um instrumento de classe, e na história das suas formas uma história de “reprodução das formais da produção”: A ordem de todas as grandes sociedades do passado revelou-se no seu teatro. O reportório mundial recolhe as maiores conquistas das classes dirigentes particulares ou das classes que lutaram pela supremacia em diversos países. (…) Mas uma classe lega-nos algo de mais elevado do que a sua própria essência, algo mais do que o simples reflexo de um momento histórico e social num período determinado do seu labor; ela dá-nos precisamente a imagem de sua mais verdadeira exuberância quando essa classe, apesar de se encontrar no governo da sua própria sociedade, ainda se não enfraqueceu pelo decurso do processo económico que lhe determina os fundamentos e que lhe prepara  a sua herdeira e adversária.” (Lounatcharski, Le théâtre et la révolution).

“A burguesia atingiu o poder na posse plena de toda a cultura da sua época; pelo seu lado o proletariado atinge-o na posse apenas da consciência da necessidade urgente de se apropriar dessa cultura. A tarefa do proletariado consiste principalmen-te em apoderar-se de todo o aparelho cultural que se opôs à sua causa: a indústria, as escolas, as editoras, a imprensa, o teatro.” (Trotsky, Littérature et Révolution.)

4. É assim que o Teatro da Cornucópia se propôs e se propõe:

  • uma revisão crítica da dramaturgia clássica;
  • uma revisão a um tempo teatral e histórico dos textos escolhidos;
  • uma visão de história através da análise crítica da dramaturgia clássica.

Imagens

fotos de Paulo Cintra ©





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