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Historial

7 - Tambores na Noite

Ficha Técnica

 

Tambores na Noite

Comédia de Bertolt Brecht

 

Tradução Maria Adélia Silva Melo e Jorge Silva Melo

Encenação Jorge Silva Melo

Assistência de encenação Helena Domingos e Márcia Breia 

Direcção de cena Raquel Maria

Cenário e figurinos Cristina Reis

Assistência técnica Paulo Cintra Gomes

Montagem Fernando Correia 

Colaboração de montagem Manuel Barata 

Execução de guarda-roupa Emília Lima  

Ajudantes de guarda-roupa Maria de Fátima, Virgínia Dias, Maria José Santos 

Assistente de montagem Alexandre Freitas com a colaboração de João Santos 

Música António Wagner 

Som Maurício Cunha 

Fotografias Cristina Reis e Paulo Cintra Gomes

Interpretação

Karl Balicke (pai de Anna) Jorge Silva Melo

Amalie Balicke (mãe de Anna) Raquel Maria 

Anna Balicke Zita Duarte 

Friedrich Murk (noivo de Anna) Orlando Costa 

Criada Márcia Breia 

Babusch (jornalista) Gilberto Gonçalves/Alexandre Passos 

André Kragler Luis Miguel Cintra 

Os Irmãos Manke Rogério Vieira 

Maria (prostituta) Maria Emília Correia (cedida por “Os Cómicos”) 

Um Homem Luís Lima Barreto 

Rapaz Pedro Penilo

Primeiro Homem (3° Acto) Augusto Figueiredo 

Segundo Homem (3° Acto) Gilberto Gonçalves/Alexandre Passos 

Glubb (taberneiro) Augusto Figueiredo

Laar (camponês) Zé Eduardo (cedido por “Os Cómicos”)

Bêbedo Gilberto Gonçalves/Alexandre Passos 

Bulltrotter Luís Lima Barreto 

Augusta (prostituta) Márcia Breia 

Operário Jorge Nascimento 

Vendedora de Jornais Raquel Maria

Primeiro Homem (5°Acto) Jorge Nascimento 

Segundo Homem (5° Acto) Orlando Costa

 

Colaboração de Luísa Homénio

 

Lisboa, Teatro do Bairro Alto. Estreia: 29/09/76

54 representações

Companhia subsidiada pela Secretaria de Estado da Cultura

Apoio da Fundação Calouste Gulbenkian

Este Espectáculo

1.

Em Tambores na Noite podemos detectar a existência de três planos narrativos: a história da revolução espartaquista, a vida de uma família de oportunistas de guerra, o destino do soldado desmobilizado.[1]

 

A história da revolução espartaquista

A acção da peça decorre numa noite de Inverno de 1918-1919. Na primeira versão a peça desenrola-se em Novembro de 1918; na re-fundição de 1954, em Janeiro de 1919. “É mesmo difícil precisar se é verdadeiramente da insurreição espartaquista que se trata ou da revolução de Novembro de 1918: até à aparição das ‘Obras Completas’ havia uma contradição entre o ataque às editoras, que é um episódio histórico de Janeiro de 1919, e as indicações precisando que se tratava de “uma noite de Novembro”. Encontra-se um pouco a mesma incerteza a propósito dos acontecimentos na ‘Balada do Soldado Morto’, onde Brecht parece acreditar que a guerra de 14 durou até 1919: “Porque após cinco primaveras aquela guerra nada trouxe”.[2] Também há quem diga que Brecht teria transposto abusivamente para Berlim situações que seriam de Munique e de Augsburgo.[3]

É grande a diferença política entre as duas datas – em Novembro, é o avanço do proletariado, em Janeiro a derrota. A alteração de Brecht é pertinente: a acção decorre “contra o fundo de uma Berlim sacudida pelos movimentos espartaquistas na sua fase decisiva – a batalha no Bairro dos Jornais onde os revolucionários se entrincheiram e onde se extingue a sua extrema, heróica resistência contra as tropas da burguesia. É a tragédia da revolução proletária esmagada lenta mas inexoravelmente pelas tropas governamentais, o mudo desespero de uma resistência que já não tem esperança”.[4] Tambores na Noite situa-se no falhanço da Revolução.

O desenrolar dos acontecimentos é indicado no texto. No 1.° Acto os espartaquistas estão em armas, dizem que vão assaltar os jornais; no 2.° Acto, luta-se no Bairro dos Jornais, a situação é confusa; no 3.° Acto, há tiros no Bairro dos Jornais; no 4.°, passa na Chaussestrasse o regimento dos Fusileiros (“Os Besouros”) a caminho do Bairro dos Jornais e a guarda está na gare desde as seis; no 5.° apoderaram-se da Ullstein e a artilharia toma posição diante da Mosse, o ataque dá-se e os operários “vão pelo ar como peixes, jazem no asfalto como gatos afogados”. E amanhã pela manhã já esta gritaria toda se acabou.

 

A vida de uma família de oportunistas de guerra

“A família Balicke é a família de um industrial que enriqueceu fabricando armas. Com o fim da guerra, que lhe trouxe tantos lucros, planeja uma mudança no ramo dos negócios. Antes a sua indústria estava voltada para a morte, agora estará voltada para a vida: fabricará alcofas para bebé”.[5]Reconversão do capital a que se junta o tema da reprodução das relações familiares enquanto base económica do capitalismo, tema que Brecht desenvolverá quer no Romance quer na Ópera dos Três Vinténs.

 

O destino do soldado desmobilizado

André Kragler é o soldado que regressa da frente depois dos 4 anos de ausência. Desencadeada pelos marinheiros de Kiel fartos de guerra, a Revolução de Novembro encontra nos soldados desmobilizados uma das suas bases de apoio a um tempo mais numerosa e ambígua. “A sua sorte e o seu estado de espírito comtribuíram para preparar a revolução; elementos dessas tropas que nesses dias decisivos se encontravam na Alemanha participaram muito activamente no movimento. No entanto, enquanto massa, eles não tiveram até agora uma parte activa na revolução; enquanto massa, só indirectamente foram influenciados pela revolução. Essa a esperança da contra-revolução: os militares que regressam da frente.”

Karl Liebknecht (Militarism, Guerre, Revolution. Maspero)

 

2.

Podemos dizer que estes três planos narrativos têm tratamentos dramatúrgicos diferentes, e assim teremos a peça escrita como comédia burguesa, drama do regressado, texto da alusão.

 

A comédia burguesa

A Família Balicke tem uma história para se apresentar: a do casamento da sua filha Anna. Uma acção a fazer: receber o noivo, jantar, festejar o noivado, embriagar-se. Estamos numa comédia burguesa com o seu “motivo” favorito. Sternhein não está longe. As personagens surgem teatralmente carregadas da sua própria tradição teatral: pai, mãe, filha, noivo e criada têm entradas e saídas, ficam sós, discursam, explicam-se, dialogam. A cena é carregada de objectos precisos, navalhas de barba, comida, garrafas de vinho, retratos candeeiros... Camille Demange encontra em A Herança de Sudermann, uma peça a um tempo “idealista e naturalista que teve grande sucesso em 1890” [6] uma fonte para a família Balicke; não é difícil comparar as primeiras cenas e a entrada de Anna com as primeiras cenas de Intriga e Amor de Schiller. Para a família Balicke, Brecht parte de uma tradição; Tambores na Noite começa como “pastiche”.

Basta comparar com A Boda dos Pequenos Burgueses, escrita por Brecht “à maneira” do grande cómico popular Karl Valentin, para se perceber que é de uma tradição que se trata e que a família Balicke traz consigo a sua própria peça cómica: são feitos do dinheiro que ganharam com a guerra e do teatro com que se divertiram. A escolha de Schiller e de Sudermann pelo jovem iconoclasta de Augsburgo que só reconhecia influência de Wedekind e de Valentin não é inocente.

 

O drama do regressado. (Heimkehererdrama)

O regresso do soldado há muito dado como desaparecido e que “depara com situações novas, diferentes e piores do que as que existiam aquando da sua partida para a guerra” [7] surge como tema recorrente na literatura popular – é ver o Romanceiro; e nas visões de um mundo que se sente transformado (do Frei Luís de Sousa de Garrett à literatura do pós-guerra na Alemanha e sobretudo no Em Frente da Porta do Lado de Fora de Wolfgang Borchert).

O expressionismo, visão hipersubjectiva da transformação, encontra no motivo do regresso um dos seus temas recorrentes – o percurso do homem expressionista é muitas vezes um regresso. E assim como o casamento da filha obriga a uma escrita de comédia burguesa, assim o “drama do regressado” leva-nos às paragens do drama expressionista de que surgem as suas como que características caricaturais – as etapas, o “percurso” do indivíduo, a aventura individual, o pathos de um mundo entendido desde Wedekind como Jardim Zoológico – (também Babusch em Tambores na Noite convida os noivos para o mesmo jardim).

 “A comparação com um texto clássico da literatura dramática da primeira guerra mundial como Hinkemann de Ernst Toller pode definir, melhor do que qualquer discurso, a medida estilística e humana conquistada por Brecht na sua obra juvenil mais famosa. Toller constrói o seu drama segundo a técnica expressionista mais canónica, o Stationen ou Wegdrama, essa técnica cujo arguétipo surge na Estrada de Damasco de Strindberg; quer dizer, define uma série de “estações” através das quais se desenrola a tragédia ou melhor, a “paixão” do protagonista até ao final trágico. (...) Neste quadro, os personagens mais brilhantes surgem isolados de um contacto directo e eficaz com o ambiente, com a vida de que no entanto fazem parte; e Hinkemann desenha-se cada vez mais como emblema trágico numa paisagem que não é uma realidade em movimento mas sim um destino estático e inelutável. Cortados os laços orgânicos com a complexa riqueza da existência, as figuras do drama perdem cada vez mais sangue e cor, vão ficando cada vez mais esquemas e símbolos, seres reduzidos aos seus sinais mais genéricos e primitivos. Também os contrastes surgem em termos de justaposição clara e unívoca, de negação ou exaltação absolutas, como por exemplo, entre o homem e a máquina. (...) Através desta inspiração que tende mais para a denúncia e para a acusação, ou seja, para a contraposição mecânica de uma realidade a outra, também a busca das causas menos extrínsecas e imediatas que levam à tragédia de Hinkemann (...) surge dentro da declamação, dos termos “jurídicos”, de um “romantismo” medíocre, em suma, da acusação oratória. (...)

Em Brecht, pelo contrário, André Kragler não é o Christus patiens que no final busca a libertação de uma situação para ele insustentável num gesto irreparável e definitivo; ele é antes o homem do compromisso e da capitulação, o homem que se define a si próprio como “porco”, o soldado que, depois de se ter unido aos grupos mais conscientes do proletariado alemão que está travando uma batalha decisiva para o seu futuro, abandona a via da solidariedade e da luta para procurar um tranquilo refúgio na “cama”, na relação com a mulher que voltou para ele depois da infidelidade.”

Paolo Chiarini (Brecht. Ediciones Peninsula)

 

Brecht pega aqui no expressionismo como pegou na comédia burguesa para tratar as personagens da família Balicke: para citar ambas as tradições, não para as fazer.

 

O texto da alusão

A revolução espartaquista é o espaço exterior à acção. Parte-se dela, ouvem-se-lhe os tiros, ouve-se-lhe a Internacional. As personagens definem-se ideologicamente em relação aos acontecimentos: não só Murk e Balicke como habitantes da taberna de Glub com a canção do Bêbedo ("Se fui Vermelho em Novembro / Janeiro é já outra cor"). Mas os outros acontecimentos estão longe. Quando muito atravessam-se no caminho dois ou três participantes.

Aludidos, os acontecimentos revolcionários raiam o texto. Daí que haja quem queira pensar que “a revolução nas ruas não passa na peça de um ambiente aparentemente actual para o drama do regressado que é o essencial da peça”.[8]

Aludidos, os acontecimentos revolucionários que por vezes cruzam a cena têm uma dimensão mítica. Não vemos quem os faz, não sabemos exactamente quais são. Do terror ou da impassibilidade dos Balicke que mesmo assim “arriscam a vida” saindo para o cabaré (Scheidemann estava no teatro nessa noite...), do eco que passa, é evidentemente através das personagens que este texto evocado surge. E se constrói como “A Grande Noite”, como a Revolução do R grande – aos olhos do cómicos burgueses como do “regressado” expressionista os acontecimentos são filtrados pelo idealismo burguês e a sua cor é a cor do romantismo. A Revolução, espaço exterior, é em Tambores na Noite, a destruição/aniquilamento românticos.

 

Nada de olhos românticos

Até aqui esquecemos uma outra zona que surge na rúbrica inicial do texto: a zona dos cartazes. Toda a acção decorre sob o signo de um cartaz provocatório e fundamental: “Nada de olhos românticos”. Expressionismo e naturalismo citados declaram-se como visões idealistas – como “romantismo”. Ao demarcar este cartaz – e obrigar o personagem a dizê-lo num jogo de espelhos vertiginoso – Brecht escreve o seu teatro como escritamontagem, como aprendizagem da realidade.

Tambores na Noite arranca em primeira contra o idealismo, contra o romantismo pequeno burguês. (E desde logo em Brecht o combate ideológico cuja prática não abandonará).

Como ler então a autocrítica de Brecht em 1954? Verificando o facto de ela só surgir então na edição da RDA há quem pense que se trata de mais uma das manhas que Brecht nunca deixou de utilizar nas suas relações com a ideologia de Estado; tudo parece no entanto indicar que se trata de uma simples justificação do seu percurso posterior, apesar de as suas relações com o chamado “comunismo de esquerda”, não terem nunca parado e de o seu marxismo ter sido confessadamente formado pelo pensamento heterodoxo de Karl Korsch.

“Que o soldado Kragler (este irmão do Woyzeck de Büchner) que, no princípio de Tambores na Noite, regressa da Abissínia, com a cabeça queimada pelo sol de África, com a boca cheia das palavras de Rimbaud, que esse soldado Kragler, depois de ter vagueado uma noite inteira dos cabarets de Berlim ao bairro dos jornais onde os rebeldes começam já a bater-se, se recuse a seguir os homens que reconheceu como camaradas seus (não proletários, mas o lumpenproletariado dos bares) e regresse à burguesia, aos oportunistas da guerra e à sua noiva que um outro fez ficar grávida... isso não significa que Brecht encarne uma tal recusa. Ele compreende-o, explica-o: não o exalta.

Esta recusa é a de Baal, com a diferença de que está situada historicamente, socialmente: é a de uma boa parte da população alemã face à Revolução, particularmente do exército, que traiu os Espartaquistas depois de, por um instante, os ter apoiado. Brecht apenas a assume na medida em que ela é recusa do romantismo, negação do rimbaldismo. Mas quando Kragler abandona os seus camaradas e escolhe, contra a Revolução, voltar, para o meio dos burgueses, a espojar-se na “grande cama larga e branca” com a sua noiva que um outro fez ficar grávida, Brecht faz da sua recusa não um regresso à realidade material e animal celebrada por Baal, mas um regresso a uma determinada realidade: a realidade concreta de uma burguesia que já só acredita na cama e no dinheiro. Ao contrário de Baal, Kragler não morre: vai fazer amor, enquanto outros morrem em vão em seu lugar, vítimas da sua traição e da de muitos outros Kragler”.[9]

 

3.

O corpo estranho

O jogo fundamental do texto é particularmente simples. Estabelecido um determinado grupo social, o seu destino a sua ideologia, a sua situação de classe (“A guerra para nós foi um bem. Temos fartura, opulência, aconchego.”) estabelecido o seu discurso (“Também venho da ralé. Moço de recados, ajudante de mecânico jeito aqui, jeito ali. Foi assim que a nossa Alemanha chegou onde está. Trabalho sempre bem duro, sabe-o Deus. E agora o corpo medra como as plantas, vinho a rodos. E eu cá estou. A tranquilidade! O aconchego! Uma cama grande, larga, fofa”, define-o Murk, o modelo) entra pela porta, indesejado e inesperado (como terá entrado? Pelo “teatro”, que quem entra pela porta toca a campainha), um outro discurso (“Estabeleci-me na Argélia como fantasma”). Aparentemente irreconciliáveis, o mundo dos Balicke e a “fala dos pretos na garganta”, adiam apenas o encontro (os Balicke perguntam-se: “Mas quem é que fala assim?”, Kragler declara: “Não consigo olhar para ele. Parece as paredes de um urinol").

Estabelecida uma convenção – a “comédia burguesa” do casamento da filha dos senhores Balicke – acaba por adiar o seu projecto e a peça inflecte para o drama do regresso – e as duas convenções defrontam‑se, aparentemente irreconciliáveis. Aparentemente.

Um corpo estranho, Kragler, desvia a escrita. “Chega para estragar a festa e nessa noite, como por acaso, a lua está vermelha e Rosa-a-Vermelha fala ao ar livre no Jardim Zoológico. Tudo está preparado com os símbolos; só é um revolucionário na cabeça dos seus presumíveis sogros, e não faz a mínima pergunta sobre esse movimento ao qual levianamente suspeitam que ele pertence. Kragler não é verdadeiramente um corpo estranho. Só a posse de Anna o interessa. Enebriando-se de palavras enquanto os outros se embebedam de ginginha, encontra assim maneira de se tornar alguém aos seus próprios olhos, de reconquistar Anna pela estranheza do seu discurso, de perturbar as prostitutas com a expressão desdenhosa do seu desgosto, de tomar a sua grande cólera de criança enganada por um chamamento à luta. Faz a sua própria “recuperação”, salvou a sua reputação; ele próprio uma imagem falsa, nada mais tem a fazer quando parte para se juntar aos da sua classe do que destruir a lua-candeeiro, testemunha da sua comédia”.[10]

E, reconquistado o poder, Kragler abandona a sua “escrita, para se inscrever na fala de Murk do 1.° Acto: “Uma cama branca, larga, fofa” é para ambos a integração: a tomada do poder. Para os Balicke, a cama de Anna, “já feita”, segundo o pai, é a reprodução da sua fábrica (“Podemos passar a fabricar alcofas para bébé. Vocês podem passar a fabricar meninos”).

O corpo estranho integrou-se. Os dois discursos fizeram-se um. O texto desfez-se em comédia burguesa. A luta, que pareceu de classes, era fraterna.

 

A consciência de Kragler

Kragler conquistou o poder – e o poder é aqui a reconversão da empresa Balicke e a sua reprodução via barriga de Anna – enquanto os operários iam pelos ares “como peixes”. “A participação do meu herói naquele levantamento não tinha nada de sério. Os iniciadores da luta eram os proletários; ele aquele que dela se aproveitara. Para se revoltarem, eles não tinham a perder fosse o que fosse; ele podia ser desobrigado. Eles estavam prontos a resolver o problema dele; ele abandonou a causa deles. Eles eram as figuras positivas; ele, o herói cómico”.[11] “É preciso esperar que o leitor ou espectador saibam transformar em antipatia a simpatia que sentem pelo herói da comédia”.[12]

Só que, irresistivelmente atraído pelo paradoxo, pelo movimento, Brecht faz o seu herói confessar-se: “Sou um porco e um porco volta para casa”. Trai e denuncia-se. Diz também, perversão máxima, para os espectadores “nada de olhos românticos”. E Kragler, o fantasma, surge no final do texto, consciente da sua situação de classe, consciente dos seus interesses – realista. “Pequeno-realista”, chama-lhe Brecht. O “realismo” de Kragler, a maneira como leu nas paredes do teatro “nada de olhos românticos”, é um realismo de classe – o “pequeno-realismo”, para prolongarmos Brecht. É ao espectador que se põe o problema.

Este facto, insólito em Brecht, muito tem perturbado quem sobre a peça escreve. E, tentados por um biografismo estranho, é vê-los a pensar qual teria sido a posição do autor – idêntica? parecida? oposta? simpática? antipática? – em relação ao comportamento do seu “herói”: “Não era esta possivelmente a posição do autor” (Paolo Chiarini), “É difícil acreditar que Brecht tenha realmente concebido Kragler como um personagem negativo” (Martin Esslin), são meras suposições inegavelmente estéreis. Se Brecht o não julgou – e não terá? – a História o julgará. “Actualmente, Kragler e o seu regresso a casa, este pequeno drama individual que testemunha o abandono dos espartaquistas por toda uma parte do exército e uma traição bem maior, a da República de Weimar pela pequena-burguesia social-democrata, anunciam o abandono da nação alemã nos braços desse animal superior: o Führer”.[13] “Kragler mantém-se fiel à sua classe e aos seus verdadeiros valores e abandona os operários. Permanece firme na sua ideologia pequeno-burguesa, não trai as suas origens, mas sim a revolução que não é dele. Rosa Luxemburgo afirmou que a traição de muitos soldados que vindos da guerra encontram o país em revolução e a princípio se engajaram na luta armada foi um sintoma da imaturidade do movimento espontâneo das massas operárias alemãs. Em Tambores na Noite, Brecht mostra não somente a opção reaccionária de um indivíduo isolado, mas também a posição de parte da população alemã”[14], “Brecht prova e denuncia a atitude animalesca resignada da maioria do população alemã depois de quatro anos de guerra. A insurreição espartaquista, por violenta e exemplar que fosse, não conseguiu arrancar o povo alemão deste torpor; foi, desde logo, uma das razões do seu falhanço. É esta tendência visceral para a resignação que Brecht estigmatiza”.[15]

 

4.

Brecht e Os Tambores

Paradoxal, Tambores na Noite raia o abismo. Brecht não cessa de repensar o texto. Quase o ia deitando fora, segundo diz no prefácio de 1954 para a edição na RDA – prefácio que no entanto não julga necessário para a edição na República Federal... Modifica o texto, corta tirados a Kragler, procura notas mais “positivas”, atribui ao taberneiro Glubb um sobrinho revolucionário... E escreve sobre o texto algumas coisas contraditórias. “Apenas esboçada, a crítica de Brecht a Tambores na Noite é limitada – apenas uma justificação da sua (de Brecht) evolução posterior”.[16]

 

Ao reler as minhas primeiras peças

De entre as minhas primeiras peças, a comédia Tambores na Noite é a mais ambígua. Nela, a rebelião contra uma convenção literária reprovável quase me levou a arrastar na mesma condenação um grande movimento de revolta social. Se a intriga se tivesse desenrolado de um modo “normal” ou seja, convencional, o soldado desmobilizado que adere à revolução porque a sua rapariga está noiva de outro tê-la-ia conquistado ou rejeitado definitivamente mas não teria em qualquer dos casos abandonado a revolução. Em Tambores na Noite o soldado Kragler recupera a noiva se bem que “desonrada”, e volta as costas à revolução. Esta parece ser a mais infeliz de todas as variantes possíveis, sobretudo por nela se poder pressentir uma certa simpatia da parte do autor.

Vejo hoje que o meu espírito de contradição – resisto à tentação de o definir como “juvenil”, uma vez que espero tê-lo conservado intacto – me levou às fronteiras do absurdo.

A Dramaturgia do Grito da época, com o seu humanitarismo declamatório, com o antirrealismo das suas falsas soluções, repugnava àqueles como eu que se tinham dedicado ao estudo das ciências da natureza. Esta corrente literária punha em cena uma colectividade, altamente improvável e por certo ineficaz, de homens “bons” que, com um simples discurso moralista deveriam ter posto fim à guerra, a esse fenómeno complexo, profundamente enraizado na estrutura da sociedade. Eu não sabia praticamente nada da revolução russa, mas as minhas modestas experiências como enfermeiro de guerra no inverno de 1918 já me tinham feito compreender que entrara na luta uma força nova e diferente, de raízes seculares: o proletariado revolucionário.

Evidentemente, os meus conhecimentos não eram suficientes para transpôr para a peça toda a importância da revolta do inverno de 1918/19 mas apenas me chegavam para avaliar a falsidade da participação do meu “herói” no levantamento. Foram os proletários que iniciaram a luta: ele só beneficiava desta acção. Aqueles não precisavam de outras injustiças para se revoltarem; ele só podia ser indemnizado pelas ofensas recebidas. Eles estavam prontos a sustentar a causa dele; ele abandona a deles. Eles eram figuras trágicas; ele, uma figura cómica. À medida que lia a peça dava-me conta destes defeitos, mas não consegui mostrar ao espectador a revolução de outra maneira a não ser segundo a perspectiva do “herói” Kragler e ele via-a como algo de romântico. Não me era ainda familiar a técnica da distanciação.

Ao ler os actos III, IV e V dos Tambores na Noite, assaltou-me uma tal insatisfação que pensei abandoná-la. Só a convicção de que a literatura pertence à história e que esta não deve ser falseada e a persuasão de que as minhas ideias e capacidades actuais teriam menos valor sem o conhecimento das minhas anteriores capacidades e ideias – na hipótese de ter havido uma melhoria – me impediram de a atirar ao fogo. E depois, não basta destruir; os erros devem ser corrigidos.

O facto é que eu não podia fazer muito: não podia alterar a figura do soldado Kragler, o pequeno-burguês. Também tinha de manter a aprovação relativa do seu comportamento. Os proletários continuam também a compreender melhor o pequeno-burguês que defende os seus interesses – por mais mesquinhos e contraditórios que sejam – do que compreendem aquele que colabora por romantismo ou por razões de honra. Reforcei portanto cuidadosamente a parte contrária, atribuindo ao taberneiro Glubb um sobrinho, um jovem operário que tombou como revolucionário nas jornadas de Novembro. Com esta figura de operário apenas esboçada mas que todavia se materializa nos escrúpulos do taberneiro eu criava uma espécie de antagonismo do soldado Kragler.

Cabe ao leitor ou espectador simpatizar ou antipatizar com o herói da comédia, sem o auxílio dos efeitos de distanciação necessários.

Março de 1954

 

Os meus trabalhos para o teatro

Pouco depois da revolução de 1918 escrevi a comédia Tambores na Noite. Nela descrevo o regresso de um soldado alemão que se depara com situações novas, diferentes e piores do que as que existiam aquando da sua partida para a guerra; adere por um tempo às massas populares revolucionárias mas depois, readquiridos os antigos direitos e as novas possibilidades de êxito, abandona-as. Descrevia a atitude de pessoas que eu observara, citava as suas declarações. A minha atitude ao observar o comportamento dessas pessoas era, direi, pura curiosidade; mas quando depois passei tudo para o papel, fi-lo com uma espécie de suficiência triunfante pois que aqueles que como eu escreviam nesses tempos recusavam-se a registar os factos mais evidentes e tratavam a revolução como uma insurreição puramente espiritual e ética do homem. Saudavam a sublevação do homem contra a injustiça e o seu sacrifício pela “ideia”. O facto de haver quem morresse servia os interesses dos autores mas nem por isso os interesses daqueles que efectivamente morriam combatendo por interesses altamente vitais, precisos, razoáveis. Estes lutavam e arriscavam a vida tanto quanto o exigiam os seus interesses e pois que eram muitos e variados, longa era a duração da luta. Muitos a abandonavam, ou se colocavam por fim do lado oposto, quando já tinham o seu “lugar”. Na minha aversão pelos ideólogos que pretendiam que os homens se dispunham a morrer por ideias que eram totalmente estranhas, quando não mesmo contrárias aos seus interesses, fui longe demais: aplaudi demasiado o herói da minha comédia, fiz-lhe a apologia como “realista” porque tinha fugido às seduções de ideais para ele vazios de conteúdo. Perdi assim de vista os outros revolucionários que lutam por interesses indubitavelmente seus, vitais, precisos e racionais, mas também incomparavelmente mais profundos, gerais e importantes. No meu interesse demonstrativo pelo pequeno-realista Kragler, o soldadinho burguês rebelde, subordinei o meu actual e mais sério respeito por aqueles de cuja luta abusava o pequeno burguês – fazendo dela motivo de vingança contra a própria classe ou junto daqueles que habilmente participam da exploração – e que, depois de deles se ter vantajosamente utilizado, traía os proletários revolucionários. Como minha atenuante poderei talvez dizer que fui levado a agir assim devido à atitude dos escritores meus contemporâneos e dos seus espectadores; todos eles pequenos burgueses e com as suas bravatas idealistas participavam da fraude dos vários Kraglers, comportavam-se como provocadores, extasiavam-se com interesses “universais”, “humanos”, “ideais”, não estando portanto dispostos a conceder ao proletariado revolucionário, empenhado na sua luta, aquilo de que ele realmente precisa: a transformação radical das relações de produção e sobretudo a maneira de a fazer. Esses, como o meu Kragler, também se recusavam a morrer por quem por sua vez devia morrer por eles e por ele, mas eram ainda mais despudorados do que Kragler, e ocultavam o seu verdadeiro comportamento. Ao elogiar perante esses despudorados a baixeza mais vil, esqueci-me de clarificar condignamente esta última chamando-lhe baixeza. Todavia, na minha comédia pode ver-se muito bem os motivos pelos quais falhou a revolução alemã: não somente por causa da traição dos chefes, mas também pela diversidade de interesses das massas populares em revolta. (Só houve traição quando se mentiu a propósito desta diversidade de interesses para fazer as massas combater sem que os seus interesses viessem a ser satisfeitos.) E o verdadeiro, o grande exercício para a política proletária deveria consistir em ensinar aos vários Kraglers que aquela diferença de interesses era muito superficial, insignificante e efémera: a tentativa de vingança não teria durado muito tempo. A falta de tal concepção realista no comportamento da política proletária foi um dos principais motivos pelos quais os vários Kraglers, dez anos mais tarde, fizeram então a sua revolução, sem e contra o proletariado.

 

Conversa com George Grosz

O que a burguesia faz valer contra o proletariado é a sua má cara. Eu acho, George Grosz, que o que o tornou inimigo do burguês foi a sua fisionomia. É sabido que o proletariado e a burguesia estão actualmente em guerra. Esta guerra não depende de certeza da diferença de gostos na defesa dos argumentos respectivos – mas os argumentos são duvidosos, vazios de força demonstrativa, e sobretudo nunca são nem serão tomados em consideração. Por parte da burguesia cometeram-se injustiças, mas injustiças há-as em qualquer lado. Você, George Grosz, e eu somos contra a injustiça (como todo o mundo); mas seríamos um pouco menos se ela fosse cometida pelo proletariado. Quero eu dizer: não pode ter sido a injustiça quem lhe “meteu o pincel na mão”. E se for verdadeiramente a injustiça aquilo que você não pode ver, então você é um contrarrevolucionário e eu fuzilo-o e depois ergo-lhe um monumento. Não acredito, Grosz, que um belo dia lhe apetecesse pegar no pincel e desenhar o que quer que seja sobre o assunto, sob um impulso incontrolável de compaixão por um explorado ou de cólera por um explorador. Eu acho que desenhar foi sempre um divertimento para você e que as fisionomias das pessoas lhe davam essa oportunidade. Posso imaginá-lo um dia, num irresistível amor por um certo tipo de rosto, a descobrir uma ocasião fabulosa de se abandonar a esse divertimento. Era “O Rosto da Classe Dominante”.[17] Não subestimo o prazer do protesto que o pode ter induzido a representar como autênticos porcos precisamente os indivíduos que se consideram a elite da humanidade e que não podiam deixar de ser uma elite porque só a ela são permitidas tais porcarias. No sentido contestatário não teria obtido qualquer verdade se representasse o tipo do proletário na sua forma elementar. O proletário não tinha nenhuma razão de querer ser diferente daquilo que é. No enorme esforço que lhe custava a pura e simples sobrevivência ele assume sozinho a própria e autêntica forma típica. No seu caso não tinha possibilidade de luxos. Qualquer burguês típico faz um bom negócio ao parecer melhor do que é, mas o proletário não faz negócios. A posição da arte hoje em dia é aquela que você tem: o tipo que você ama como objecto não lhe pode agradar como público. Você é politicamente hostil à burguesia, não por ser um proletário, mas por ser um artista. A sua posição política (que eu, como pode constatar contrariamente à sua opinião, considero secundária) é a sua posição perante o público e não perante o seu objecto. Eu também passei por este processo, certamente com proveito menor mas nem por isso menos seriamente do que você. Sobre este assunto pode consultar uma das minhas obras que não agradou muito aos seus camaradas de ideologia: a comediazinha Tambores na Noite.

 

O êxito dos Tambores na Noite junto da burguesia

Esta obra foi representada em cerca de cinquenta teatros burgueses. O êxito foi grande e só serviu para mostrar que me tinha enganado na porta. Foi um êxito que me deixou francamente descontente mas não foi fácil para mim descobrir logo a razão. Advertia só uma sensação desagradável como um pressentimento obscuro de que as pessoas desejosas de me apertar a mão calorosamente fossem exactamente a escumalha a quem gostaria de partir a cara – talvez não nesta peça mas de um modo geral. Sentia-me como alguém que, depois de ter disparado sobre um grupo de pessoas de quem não gosta as visse aproximarem-se radiantes dando vivas como se tivesse disparado sobre elas por engano numa rajada de broas. Quando mais tarde tentei orientar-me através dos jornais apercebi-me de que o meu êxito consistia na maior parte dos casos, nos ataques ferozes da crítica reaccionária. Havia também gente que criticava as “broas”. Todo o processo foi um facto artístico de que eu nada percebi. Noutros tempos talvez tivesse compreendido alguma coisa mas nessa altura enquanto Nova Iorque se ia desenvolvendo e Moscovo era destruída e isto parecia ser um acontecimento de interesse mundial, a estética tinha um papel de primeiro plano. O teatro burguês, igualmente incapaz de representar as obras mais antigas assim como as mais modernas, considerava a própria sobrevivência como uma pura questão de estilo. Como um navio prestes a afundar, ao teatro punha-se o difícil e substancialmente inútil problema de escolher entre ir ao fundo do lado direito ou do esquerdo. A tripulação criticava a orquestra que naquele pandemónio se obstinava a repetir o coral “Venho a Ti meu Deus” aludindo ao Deus normalmente situado do lado dos exércitos mais fortes. De forma a não ser horrivelmente mal entendido, tenho que chamar a atenção para o facto de a imagem do naufrágio ser talvez mal escolhida porque nessa altura o teatro custava muito mais e valia menos do que um velho navio e os passageiros destinados a afundarem-se não perderiam absolutamente nada – pelo contrário! De resto, quer o público quer os ambientes artísticos depois de um breve exame de consciência decidiram que o teatro devia absolutamente naufragar e os teatros pagavam estes gritos de desespero com as receitas dos anúncios publicitários. Defendi sempre a tese de ser um homem capaz de produzir, com a ajuda de um charuto ou de um copo, um trabalho literário que depois de uma reflexão lúcida, pudesse ser por mim considerado desejável. De facto, quando assim escrevo, não sei o que irá sair. Naturalmente não estou a falar de resultados estéticos. Tambores na Noite é um exemplo magnífico da fraqueza humana: escrevi-o por dinheiro. Mas embora conseguisse realmente ganhá-lo e de maneira surpreendente, mentiria se afirmasse ter conseguido um êxito com o meu esforço. Algumas pessoas conseguiriam dar-me dinheiro para esse trabalho. Mas eu consegui escrever uma comédia política.

 

A história de amor

Uma vez que na escolha do argumento para o meu trabalho me deixei guiar por considerações financeiras, será interessante para o público saber que me parecia absolutamente indispensável tratar uma história de amor. A composição desta comédia foi uma empresa comercial muito séria e foi isto mesmo que me deu a possibilidade de compreender as exigências do público que paga. (As experiências foram portanto duas: ganhar dinheiro e escrever). Estava portanto disposto a fornecer a história de amor mas naturalmente nela interessava-me sobretudo a questão da “posse”. O “tipo Kragler”, que me parecia o tipo “heróico” do nosso tempo não me consentia por outro lado mais do que isso. Ele queria uma determinada mulher e se não a tivesse ter-se-ia espiritualmente encontrado na condição do homem que não obtém a casa que já possuiu ou que quis possuir. Pensei não ter que aprofundar as raízes dos seus desejos. Mostrei uma mulher não particularmente desejável, com uma certa sensualidade, mas banal que não se pode dizer que seja forte. Satisfaz-se facilmente, sem prestar muita atenção ao seu “partenaire”, toda a sua excitação é mesquinha, vulgar, inofensiva. Não se trata daquela imperiosa, quase revolucionária exigência de apagamento carnal derivada do facto de a mulher precisar do corpo e ter de apanhar o homem onde o encontrar. Para Anna Balicke o homem não é um objecto de uso mas sim um artigo de luxo que se paga a bom preço. Na sociedade burguesa o campo do erotismo está esgotado. A literatura anota isto constatando que o sexo já não cria associações emotivas. (A vitalidade erótica domina ainda talvez na literatura primitiva sob a forma de palavras eficazes. Que outra coisa pode significar a instintiva relutância do povo em usar palavras ordinárias perante mulheres senão uma secreta confiança na eficácia dessas mesmas palavras?) A eventualidade trágica para o par consiste hoje em dia em não encontrar um quarto disponível. Ainda por cima é difícil verificar se a situação de ontem foi a mesma não sendo permitido interrogar o pai acerca dos seus coitos. Mas hoje em dia a aliciante força das palavras ordinárias relacionadas com o coito e os seus órgãos é facilmente testemunhável. O prazer que se tira das palavras ordinárias depende muito da sua garantida ordinarice. Dela depende às vezes o próprio prazer do coito. E é este elemento romântico que entra em jogo quando Anna Balicke se excita pela ordinária falta de dignidade de Kragler. A burguesia irá ver isso como o triunfo do “ideal”, mas eu penso que nem estas baixas considerações deverão ofuscar o fascínio desta história de amor. (Outros prazeres sexuais autênticos podem-se usufruir das doenças venéreas. É um campo ainda vital. Uma destas doenças é a gravidez. Desarmado pela indiferença da mulher – uma epidemia bíblica autêntica muito difundida – Mirk contagia-a com um filho. Actua de modo moral: melhora a sua situação económica. Mas a moral é feita para impedir erros. E a mulher age imoralmente. Daquela suada atmosfera sexual ela espera algo mais: ficar grávida de Kragler.)

 

1918. A Revolta dos Kraglers.

O êxito da comédia foi o êxito da história de amor e da utilização dos tambores fora de cena. (Tenho no entanto de admitir – e faço-o de bom grado – que me favoreciam também uma certa frescura pessoal e uma tendência bastante livre para tratar as coisas poeticamente.) A revolução que deveria ser utilizada como ambiente não me interessava mais do que o Vesúvio possa interessar ao homem que lhe queria pôr em cima a panela da sopa. E por outro lado, quanto ao Vesúvio, parecia que a minha panela era demasiado grande. Não foi por minha culpa se no final saiu alguma coisa como um quadro fiel da primeira revolução alemã e sobretudo uma imagem daquele tipo de revolucionário.

A revolução de 1918 vinha a seguir à guerra que rebentou por cedência nervosa dos diplomatas e se concluiu por cedência dos militares. A burguesia tinha-a conduzido com enorme energia. De resto muitas outras guerras se fizeram por motivos bem mais idiotas do que o roubo das zonas mineiras de Briey. A famosa punhalada dada nas costas do exército pelo proletariado, à volta da qual a lenda continuou durante um longo período a encher a cabeça de fascistas e comunistas, se tivesse existido não teria tido alvo: o exército vencido já estava de regresso. Só nessa altura emergiam os Kraglers; e fizeram uma revolução porque o país que eles não viam há quatro anos estava muito mudado. Os Kraglers eram rígidos conservadores. Uma vez que aquela parte da burguesia que tinha consciência de o ser tinha de repente desertado de todos os postos de comando, a outra parte, a que não sabia sê-lo (isto é, a social-democracia) encontrou-se na embaraçosa situação de os ter de ocupar. Eram tão revolucionários como se podem chamar engenheiros de minas os mineiros que estão num poço em perigo. Para os Kraglers a dificuldade consistia em tornarem-se burgueses; mas em geral eram tomados como revolucionários e eu próprio, vendo o meu personagem em cena, achei que Kragler tinha um ar muito revolucionário, sobretudo “proletário”. Os militares naturalmente tinham-se proletarizado, o seu aspecto tinha piorado. As fábricas sempre se pareceram mais com as casernas e como se vê tinham efeito semelhante.

Os verdadeiros revolucionários deploraram durante um certo tempo a minha comédia e opuseram-se-lhe talvez porque tendo visto em Kragler um proletário tinham razão para dizer: “Obrigado, passamos bem sem proletários desses tratados como heróis”; ou talvez porque tendo nele visto um burguês disseram: “Obrigado, não precisamos de heróis desses.” De facto não havia dúvidas de que se tratava de um herói. Mas hoje não poderiam negar que é um trabalho eminentemente político, um material de observação raro. Tinham à sua frente um nefasto tipo social democrata na sua forma heróica; e era um tipo difícil de ser reconhecido como burguês tanto no palco como na vida. A revolução estava inegavelmente perdida: fora aquele tipo a fazê-la. A coisa mais importante era aprender a reconhecê-lo. Tinha sido ele a fazer a revolução e ali o temos agora. Ali o temos numa história de amor romântica e frívola, o falso proletário, o revolucionário fatal que tinha sabotado a revolução, aquele que Lenine combatia com mais força do que os próprios burgueses, e que a ele próprio tão difícil fora de apanhar que só pouco antes da revolução russa o conseguiu tornar reconhecível às massas para assim as alertar. Este era Kragler, este revolucionário levado da compaixão até à propriedade, este homem choramingas e litigioso que volta para casa assim que obtém aquilo que lhe faltava. De qualquer forma o trabalho não foi mostrado aos proletários.

 

A pequena burguesia ocupa nova posição

Ao comentar a revolução alemã no Ordine Nuovo de 20 de Março de 1920, Antonio Gramsci descobre o lugar charneira ocupado pela pequena burguesia no decorrer dos acontecimentos. “A pequena burguesia ocidental ocupou facilmente a nova posição de classe média entre o proletariado comunista e o capitalismo conservador, militarista, reaccionário; a nova posição que no campo das ideologias se caracteriza pelo social-reformismo. A pequena burguesia, colocando-se perfeitamente nesta nova posição histórica, rapidamente criou uma nova teoria constitucional, rapidamente construiu um novo tipo de Estado”.[18] Comentando já os acontecimentos italianos e o início do fascismo, Gramsci vai precisar o que descobre do novo papel histórico da pequena burguesia: “O fascismo é a última representação oferecida pela pequena burguesia urbana no teatro da vida política nacional. (...) O processo de destruição da pequena burguesia inicia-se no último decénio do século passado. A pequena burguesia perde importância e todas as funções vitais no campo da produção com o desenvolvimento da grande indústria e do capital financeiro: passa a ser uma pura classe política e a especializar-se no “cretinismo parlamentar”. (...) A pequena burguesia, também nesta sua última encarnação política do “fascismo” revelou definitivamente a sua verdadeira natureza de serva do capitalismo e da propriedade, de agente da contra revolução. Mas também mostrou que era incapaz de realizar um qualquer feito histórico. O povo dos macacos não cria história, deixa marcas nos jornais”.[19] O lugar da pequena burguesia no aparelho ideológico, a sua função de manutenção/reprodução das forças de produção claramente entendidas por Gramsci nas vésperas do cataclismo assim como o serão ligeiramente mais tarde por Trotski (cf. A luta contra o fascismo na Alemanha. Ed. Pluma) e Wilhelm Reich (Psicologia de Massa do Fascismo, Publicações Escorpião).

Ao centrar a sua peça Tambores na Noite numa história pequeno-burguesa (os operários raiam a peça e o camponês toca tambor) é numa análise próxima da de Gramsci que Brecht se coloca. Com efeito, Tambores na Noite “primeiro estudo da luta de classes que surge na sua obra” [20] é acima de tudo o estudo do reflexo da luta de classes agudizada de um momento revolucionário no seio da pequena burguesia. E é o movimento social, as deslocações, as contradições de classe que fazem o núcleo do texto. Tambores na Noite fala da recuperação capitalista. Fala de como a pequena burguesia, situada num lugar charneira da história contemporânea, é levada a desviar os movimentos históricos a seu gosto. E de como o faz: reconvertendo uma economia abalada (do cesto à alcofa…), reproduzindo o seu sistema económico-ideológico: a família. (A família burguesa apresenta-se como o primeiro e principal lugar de reprodução do sistema capitalista ou ainda, do sistema da economia privada, como fábrica da sua ideologia e da sua estrutura).[21] Ora, que é a aventura de Kragler senão a continuação da família Balicke?

Aos 22 anos, Brecht fala dos acontecimentos espartaquistas e a fábula que encontra para os revelar, para revelar as suas contradições é a análise dos movimentos de reconversão de uma unidade económica capitalista – a revolução espartaquista é em Tambores na Noite a hipótese de Kragler reconquistar Anna e a fábrica de cestos, a hipótese de conquistar o poder. No seu texto A Revolta dos Kraglers, Brecht revela ser a sua análise dos acontecimentos próxima daquela que ficou conhecida pelo nome de “comunismo de esquerda” E Tambores na Noite parece comungar da mesma análise que anos mais tarde fará Otto Ruhle:

 “A Revolução de Novembro de 1918 foi o último rebento da revolução burguesa de 1848. Pôs em prática a república liberal-democrática que a determinação e poder dos burgueses alemães da época – na luta contra a propriedade feudal e o poder dos príncipes – não conseguira realizar. Para salvar o seu navio naufragado (em perigo extremo devido à guerra mundial) a burguesia mandou borda fora sem cerimónia o último lastro feudal, monárquico, absolutista, que arrastara consigo durante setenta anos e que agora ameaçava tornar-se-lhe fatal. Com isso foi criada uma base de entendimento e negociações com os poderes capitalistas da Europa Ocidental. Dando-se uma constituição liberal burguesa e tomando nas mãos o governo, a burguesia tornou possível, e atingiu, a sua nova estrutura.

O proletariado alemão tentou, em certa medida, levar mais longe a revolução. De Libknecht a Hölz todos os nervos estão tensos em numerosos levantamentos, na verdade heróicos, para tirar uma revolução social da revolução burguesa, para derrubar a burguesia e estabelecer o socialismo. À multidão de combatentes não faltou determinação e dedicação. Dezenas de milhares foram chacinados, outras dezenas de milhares metidos nas prisões e penitenciárias, ainda mais foram para o exílio, seguidos, perseguidos, passaram à clandestinidade e arruinaram-se. Mas todas as lutas, todos os sacrifícios, todo o heroísmo não chegaram ao alvo. Para o proletariado alemão a revolução está, actualmente, perdida.

Foi derrotada porque, sob a direcção do seu aparelho partidário e sindical, a maior parte do proletariado alemão manteve na retaguarda os soldados seus irmãos de classe – na verdade empurrou-os para lá. Desiludidos na sua ideologia pequeno-burguesa, prisioneiros das suas organizações contra-revolucionárias, confusos nas suas tácticas oportunistas, traídos na procura de si próprios e pelo dirigismo demagógico, tinham eles próprios que se tornar traidores, sabotadores e inimigos da libertação e ascensão da sua própria classe. Que a burguesia tomasse conta de si mesma e recorresse à astúcia e à violência para salvar a pele, é óbvio, porque era uma questão de necessidade na luta entre classes. Mas que o proletariado alemão, de posse das mais fortes organizações, que se orgulhava de ser o mais avançado do mundo, e que já experimentara fisicamente durante quatro anos as terríveis consequências da política capitalista-burguesa, esbracejando num mar de sangue e de lágrimas que este proletariado, na hora da revolução, não soubesse que fazer e não fosse capaz de nada melhor do que salvar uma vez mais a burguesia do seu país, essa burguesia sem paralelo em brutalidade e audácia, incorrigível e inculta – isso é uma acusação profundamente vergonhosa e triste.

Os estratos proletários e pequeno-burgueses reconheceram em número crescente que se tornaram vítimas do descrédito económico, se não vítimas dos abusos de confiança dos partidos políticos e sindicatos, uma vez que ainda acreditavam profundamente na justeza e no futuro da Ideia socialista, voltam-se para movimentos que os levam ao caminho do paraíso, da libertação sem luta, um paraíso pelo qual não têm que fazer nada: à antroposofia de Rudolf Steiner, ao movimento Livre-país Livre-moeda de Sílvio Osello, às cooperativas trabalhistas que expurgaram as ideias dos conselhos, ao Nacional-Socialismo de Adolf Hitler, o bando de rebeldes que negam toda a organização, ou aos Sérios Pesquisadores da Bíblia que aspiram a castelos no ar. Extraviam-se; o seu caminho é o pleno desapontamento; não conduz a nada.

Fica só na luta de classes, desenvolvendo-se na mais larga base económica, libertando todas as energias proletárias e avançando para a revolução social, que leva a objectivos socialistas. A luta de classes, na qual o proletariado é ao mesmo tempo leader e massas, estado-maior e exército, cérebro e braço, ideia e movimento, impulso e realização.

A estrada da luta de classes é um momento da história mundial. Elimina o passado feudal através e para além do presente capitalista, para o futuro socialista. Deixa para trás a exploração e o domínio. Conduz à liberdade. Sigam-nos nesta estrada, camaradas! Temos o mundo para conquistar!”[22]

 

As convenções

Os dois grupos da pequena burguesia que se defrontam até meio da peça – Kragler e os Balicke – têm “discursos” diferentes, vimo-lo já. Também diferente o discurso elíptico, entrecortado, contraditório do lumpenproletariado do 4.° Acto, onde encontramos “parentes” dos revolucionários, mas onde estamos nas margens dos acontecimentos.

A comédia burguesa e o grito expressionista, opostos e irredutíveis à primeira vista desfazem-se. Kragler avança para a comédia com a noiva nos braços. Todo o conflito se resolve num happy end desvirtuado. A história de Kragler acaba em teatro como começou a história dos Balicke. Balicke-Kragler, um só discurso.

Ao “pegar”, na pequena burguesia, Brecht pegou em dois dos seus discursos teatrais – o discurso da reconversão dos dominadores (a comédia), o discurso da estranheza perante um mundo (o expressionismo). A revolta contra as convenções literárias toma o valor de uma revolta de classe. E como diz Brecht, Tambores na Noite é um ajuste de contas com o expressionismo: fá-lo coincidir com o discurso contra o qual em princípio aquele lançou o seu grito de revolta.

 

Abrir fendas no imaginário burguês

Ao politizar a própria escrita do seu texto, ao revoltar-se politicamente contra uma convenção literária que identifica ao statu quo anterior, Brecht começa, com Tambores na Noite o seu longo percurso de corrupção do edifício teatral que a burguesia começou a erguer assim que dominou.

“Esta segunda obra de Brecht, se começa como uma comédia naturalista e pede emprestados alguns gritos, algumas tiradas, ao lirismo expressionista, abre para uma nova forma dramatúrgica: no exercício teatral introduz-se uma espécie de jogo, de distância que incita o espectador não a aderir totalmente à acção e aos personagens, mas a compreendê-los, ou seja, a julgá-los.

O local da acção alarga-se progressivamente, passando da cena-sala de jantar do teatro tradicional, ao cabaret expressionista, e depois às ruas e a todo o espaço de Berlim: é então que os destinos individuais das personagens se fundem num grande movimento colectivo, no fluxo, e logo no refluxo, da História”.[23]

Mais tarde ele viria a dizer que os expressionistas o ajudaram mais que Tolstoi ou Balzac (era contra Luckacs que o fazia então) – na medida em que neles surgem algumas fracturas pertinentes do discurso teatral. E que, por eles, Büchner regressa à cena. Brecht regressando a um imaginário anterior à implantação do discurso teatral burguês – e o discurso de Büchner é o discurso antisistemático, parcelar e fragmentado que Brecht fará seu na sua oposição à sistematização pseudo-racional da ideologia burguesa. Em Tambores na Noite, como em Woyzeck, como em A Morte de Danton, é de uma aprendizagem da realidade que se trata. Não estamos numa exposição. Tambores na Noite, como Büchner lança a subversão.

 

Há mais de dez anos que se encontram no teatro pessoas que querem aprender tudo sobre Brecht e que não chegam a aprender absolutamente nada. Hoje em dia, quase toda a gente é “brechtiana”. Descobre-se um sem número de efeitos “à Brecht” tirados dos espectáculos outrora realizados pelo próprio Brecht ou por Strehler, mas em vão se procurará neles uma reflexão minimamente consistente.

A razão deste fenómeno é facilmente identificável. Não conseguiríamos aprender em Brecht qualquer coisa que se parecesse, de perto ou de longe, com um saber constituído, com um conjunto de regras que formem um sistema. O carácter deliberadamente fragmentário, pontual, limitado, das suas intervenções é de natureza a tornar vã qualquer tentativa deste tipo... Com efeito, o aspecto fundamental de Brecht é a transformação da função social do teatro; e esta transformação da função social do teatro é concebida por ele exactamente como Marx concebia a transformação da função social da filosofia: “os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diferentes maneiras, mas a questão é transformá-lo”. Além disso, para Brecht, o elemento motor deste processo de transformação só pode ser o marxismo, mais exactamente, a filosofia marxista. Não é para admirar que seja à filosofia que incumbe a tarefa de garantir o nascimento do “teatro da era científica”. Com efeito, Brecht pensa que é à filosofia que se deve o nascimento das ciências da natureza, depois da ciência da sociedade (os filósofos, neste caso, foram Marx e Engels), e finalmente que é à filosofia que ficará a dever-se o nascimento duma atitude científica relativamente “às relações dos homens entre si” (à superstrutura).

A dificuldade, ao tratar-se hoje de Brecht, está em que, depois de ter sido violentamente combatido, nos anos trinta, por Luckacs e seus epígonos, é agora “recuperado”, celebrado, pelos herdeiros do mesmo Luckacs que, entretanto, se tornaram liberais; a dificuldade está em que, depois de ter estado em conflito com a instituição teatral, sempre nos anos trinta, é agora admitido no Panteon dos clássicos da literatura dramática. É verdade que esta dupla recuperação teve lugar depois da sua morte, e o facto merece ser sublinhado, mas também é verdade que, na última parte da sua vida o próprio Brecht levou a cabo uma espécie de normalização da sua própria produção que a tornou possível. Em nosso entender, desse Brecht, precisamente daquele a que chamamos o grande Brecht, o autor da Mãe Coragem e de Galileu, dos Dias da Comuna e da Visões de Simone Machard, não sairá mais nada, nem do ponto de vista do marxismo, nem do ponto de vista do teatro!

Pelo contrário, se não pretendermos aprender tudo de Brecht, as leis da estética marxista, da escrita materialista, e o resto, se nos contentarmos, com um pouco mais de modéstia, em estudar as tentativas feitas por Eisler, Benjamin, Tretiakov, Brecht... para pôr à prova disciplinas como a música, o teatro, a literatura, o próprio jornalismo, no âmbito das relações que elas são susceptíveis de manter com a realidade histórica, e determinar em que medidas estas disciplinas são susceptíveis de servir outros fins que não aqueles que lhes eram consignados pelos aparelhos ideológicos da burguesia, se pusermos o problema da apropriação da experiência desta corrente de “esquerda”, então talvez possamos ainda, aqui e ali, aprender alguma coisa de Brecht. De qualquer maneira, ficaremos com uma imagem mais realista da sua originalidade.”

 

Jean Jourdheuil (Bresh, par quel bout le prendre, in L’Arc n° 55)

 



[1] Camille DemangeBrecht, Seghers.

[2] John Willet, “Expressionisme et Politique: Le Cas Brecht” in L’Expressionisme et le théâtre européen, C.N.R.S.

[3] Cf. Camille DemangeBrecht, Seghers.

[4] Paolo ChiariniBertolt Brecht, Ediciones Peninsula.

[5] Fernando PeixotoBrecht, Vida e Obra, José Alvaro Editor

[6] Cf. Camille Demange, op. cit.

[7] B. BrechtOs meus trabalhos para o teatro.

[8] John Willett, “Expressionisme et politique: Le Cas Brecht”, in L’Expressionisme et le théâtreeuropéen, C.N.R.S

[9] Bernard DortLecture de Brecht, Seuil

[10] Jacqueline Autrusseau, “Un héros trop certain”, in Travail Théâtral, nº 16.

[11] B. Brecht, Ao rever as minhas primeiras peças.

[12] Ibidem

[13] Bernard Dort, “Tambours dans la nuit”, in Théâtre Populaire, nº 33.

[14] Fernando Peixotoop. cit.

[15] Jean Jourdheuil, “Les premières piècesde Brecht”, in La Rebelote, nº 3.

[16] Jean Jourdheuil, ibidem

[17] Álbum de Gravuras de George Grosz.

[18] Antonio Gramsci, La Rivoluzione tedescha, Scritti Politichi, Reuniti

[19] Antonio GramsciIl Popolo delle Scimmie, Scritti Politichi, Reuniti

[20] Fernando Peixotoop. cit.

[21] Wilhelm ReichA psicologia das massas do fascismo, Pub. Escorpião

[22] Otto Rühle, Da Revolução Burguesa à Revolução Proletária, Pub. Escorpião

[23] Bernard Dortop. cit.

 

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