O Público
de Federico Garcia Lorca
Tradução José Manuel Mendes, Luís Lima Barreto e Luis Miguel Cintra com a colaboração de Fernanda Abreu
Encenação Luis Miguel Cintra
Assistência coreográfica Paula Massano
Cenário, figurinos e cartaz Cristina Reis
Assistência para cenário e figurinos Linda Gomes Teixeira
Assistência para adereços João Calvário e Luís Mouro
Montagem Fernando Correia
Ajudante de montagem Amilcar Correia
Serralharia Rui Polido
Guarda-roupa Emília Lima
Costureiras Conceição Alves, Ofélia Lima, Teresa Cavaca, Antónia Tavares, Aline Seco e Delfina Matos
Música Paulo Brandão
Assistência vocálica Maria João Serrão
Banda sonora Vasco Pimentel
Iluminação Luis Miguel Cintra e José Eduardo Páris
Operação de luz José Eduardo Páris
Operação de som Nuno Videira
Direcção de cena Adriano Luz e Luís Lima Barreto
Produção Amália Barriga e António Fonseca
Secretariado e bilheteira Fátima Madeira.
Interpretação
Criado Gilberto Gonçalves
Director Luis Miguel Cintra
Os Cavalos António Fonseca, Luís Lima Barreto, Luís Lucas (Cavalo Branco 1) e Rogério Vieira
Homem 1 Fernando Heitor e Luís Lima Barreto
Homem 2 Adriano Luz e Rogério Vieira
Homem 3 Manuel Cintra e António Fonseca
Director/Arlequim Luísa Cruz
Helena Teresa Madruga
Menino Pedro Pinto Nogueira
Centurião Rogério Vieira
Imperador José Manuel Mendes
Julieta Luísa Cruz
Cavalo Negro Manuel Cintra
Fato de Arlequim Adriano Luz e Manuel Cintra
Fato de Bailarina José Manuel Mendes
Fato de Pijama Luís Lucas
Nu Vermelho Pedro Pinto Nogueira
Enfermeiro Luis Miguel Cintra
Estudante 1/Dama 4 Fernando Heitor
Estudante 2/Dama 1 Adriano Luz
Estudante 3/Dama 2 António Fonseca
Estudante 4/Dama 3 Manuel Cintra
Estudante 5/Rapaz Luís Lucas
Contra-regra Gilberto Gonçalves
Os dois Ladrões José Manuel Mendes e Rogério Vieira
Pastor Tonto Luis Miguel Cintra
Rebanho Adriano Luz, António Fonseca, Fernando Heitor, Luís Lucas, Luísa Cruz, Manuel Cintra, Pedro Pinto Nogueira, Rogério Vieira e Teresa Madruga
Prestidigitador José Manuel Mendes
Senhora vestida de preto Teresa Madruga
Músicos
trompete Tomás Pimentel
trompete Manuel Conceição António
trompete Jorge Salgueiro
trompete José Carapeto
piano Paula Carvalho
guitarra Luís Agrela
flauta Augusto Manaia
trompa e piano preparado Paulo Brandão
percussão Miguel Azguime
voz António Wagner, Jorge Vaz de Carvalho e José Fardilha
Apoio de Constança Capdeville, Guilhermina Bruno Soares, Elizabeth Varanda (IML), Grupo de Teatro “O Bando”, Teatro Nacional de São Carlos, Dinis Cintra, Ana Jotta, António Arriola e Biagio Flora, Lda
Lisboa: Teatro do Bairro Alto. Estreia: 17/05/1989
51 representações
Companhia subsidiada pela Secretaria de Estado da Cultura
Há textos que a gente prende quando lhes dá forma de espectáculo. Todos os grandes textos, todos aqueles que serão encenados vezes sem conta, todos os que mais interessarão o público, os que menos explicam ou menos ensinam, os que encontraram aquela maneira mais discreta de falar a mais gente. Mas poucas vezes tivemos tanto medo de prender um texto como com esta peça de Lorca. E no entanto poucas vezes um texto nos prendeu tanto e tivemos tanta vontade de o prender, de lhe descortinar sentidos, de inventar fatos, espaços, pessoas, vozes para aquelas frases, para aquelas personagens que não sabemos se são pessoas ou silhuetas, para aquelas cenas desconexas. Mas a peça fugia-nos, como se não deixasse que lhe dominássemos o sentido, queríamos agarrá-la, torná-la nossa, e a cada violência nossa mais ela se perdia, menos a entendamos nós. Como se representam os Cavalos? Quem é Helena? O Prestidigitador é a morte? Que cara pode ter Julieta? Como falam os Fatos? Em que lugar se passa isto? Perguntas como as do costume sem ser possível, como de costume, ir ao texto encontrar respostas. Percebemos que, como sempre acontece com os grandes textos, todas as soluções seriam redutoras, que todas as formas que dessem corpo à constelação de imagens que é este texto o iriam limitar, tornar provisório, matar. Mas não percebemos logo até que ponto se tratava de um texto especial, diferente. Várias vezes nos perdemos, tentando traduzir para outras palavras aquelas que ali estavam escritas, tentando ordenar ideias logicamente, tratando estupidamente o texto como uma enorme charada, um puzzle de que era preciso encontrar a solução. Sempre chegámos a becos sem saída. Muitas vezes absurdamente desejámos que alguém nos explicasse o que tudo aquilo queria dizer. Quase caímos na tentação de nos deixarmos tornar técnicos, de nos resignarmos a ilustrar o que Lorca tinha escrito. Tontos, tontos apaixonados. Só muito tarde entendemos que a nossa velha gramática teatral se não colava a este texto ou, ainda mais, que nenhuma gramática a ele se colaria ou ele permitiria. o público é um arabesco escrito a sangue, “um poema para ser assobiado”, dizia Federico. A única maneira (está lá no texto) é deixar-se embalar pela palavra. Foi isso que acabámos por fazer. Só quando deixámos de nos perguntar quem eram Parras e Guizos, ou que queriam dizer os Cavalos, quando nos entregámos mansamente ou dolorosamente, não sei já de que maneira, a um mundo talvez codificado como todas as linguagens criativas, quando acreditámos nas metáforas e na sua vida própria, tão vida como a vida verdadeira, como Lorca queria, começámos a encontrar o caminho certo. Começámos a tomar forma. Começámos uma metamorfose. Começámos a inventar.
A inventar o quê? Um lugar tão enigmático como esse quarto, privado como são os quartos, público como são os teatros onde o público entra? Um espaço imaginário onde como nos sonhos entram tantas pessoas diferentes com as mesmas caras ou tantas caras diferentes para as mesmas pessoas? Um mecanismo de espelho onde tudo fosse inverso ou duplo de tudo, num inferno sem fim ou sem limites que não fossem essas máscaras que são ocas por dentro, que são formas de vazio, ou metamorfoses umas das outras? Inventámos com certeza coisas dessas. Criámos um circo mental, tão sem sentido, tão gratuito, como todos os números de circo, sempre repetindo o mesmo número de formas diferentes. Mas que se inventa de verdade no teatro? Nessa pobre arte aqui assimilada a toda a criação, a toda a criação entendida como espelho também de todo o amor, porque dá forma à vida? Que sentido tem esta arte, que sentido criam os actores, os encenadores, os cenógrafos, esses recriadores de obras que os poetas já inventaram? É da relação da arte com a vida que neste texto se trata, disso tenho a certeza. É do teatro que este texto fala, entendido como metáfora da própria arte. Sei que nenhuma arte é tão viva como o teatro, que nenhuma é tão éfemera, e que nenhuma teme tanto como ele que a vida lhe fuja, que nenhuma tem tanto medo de a matar. Porque este texto fala disso nos apaixonámos por ele. O teatro aqui é a grande arte, a única. No teatro se fecha o círculo. Se, como talvez se descubra na última cena da peça, a arte por pura galanteria, em exercício de liberdade, sacrifica a vida para lhe dar forma, ou a limita ou a mascara, mas só nesse sacrifício toca a verdade da vida, no teatro a vida, num processo de espelho ou de amor, sacrifica-se à arte, dá-lhe forma, abdica na sua carne a favor das formas, fá-la existir um minuto, como o verdadeiro amor que Julieta procura. A nossa invenção é essa, como teria de ser afinal a de toda a criação. Não inventar nada. Ser só contínua metamorfose. Ser máscara. Viver as metáforas. Ou com elas conviver. Ser paixão. Foi isso que tentámos fazer. Este espectáculo fala de quê? Que diz? Não sei. Não sei se o teatro não é como a música, mudo. Com todo o sentido e sem sentido nenhum. Como a vida. Só “allegro”, “andante”, “adágio”, “vivace”, “forte” ou “piano”. E o público que entre.
Luis Miguel Cintra