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49 - A Mula, O Clérigo, O Alfaiate e Mais Lamentações

Ficha Técnica

 

A Mula, O Clérigo, O Alfaiate e Mais Lamentações
Conferência-espectáculo para as escolas a propósito dos textos dramáticos de Anrique da Mota recolhidos no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende de 1516

 

Selecção dos textos, organização do espectáculo e encenação Luis Miguel Cintra

Dramaturgia colectiva

Cenário e figurinos Cristina Reis

Assistentes para o cenário, figurinos e adereços Linda Gomes Teixeira e Luís Mouro

Montagem Fernando Correia

Assistente de montagem Bio

Guarda-roupa Emília Lima

Costureiras Aline Sêco, Piedade Duarte e Ofélia Lima

Iluminação Luis Miguel Cintra e Pedro Marques

Contra-regra Alfredo Martinho

Contactos com as escolas António Fonseca e Fátima Ferreira

Interpretação

António Fonseca, José Manuel Mendes, Luísa Cruz, Luís Lima Barreto, Luis Miguel Cintra e Rogério Vieira

 

ROTEIRO DO ESPECTÁCULO

1. Situação dos textos de Anrique da Mota no contexto do Cancioneiro Geral. Leitura de um excerto do Prólogo de Garcia de Resende dirigido ao Príncipe Nosso Senhor. A "arte de trovar" como actividade da corte. As festas do paço. O amor cortês.

 

2. Algumas trovas a Dona Felipa d' Abreu (cousa de folgar). Dramatização das trovas Do Craveiro Dom Diogo de Meneses à Senhora Dona Felipa d’Abreu e de algumas respostas de João Anriques, João Fogaça, Garcia de Resende, Diogo Brandão, Francisco da Silveira, Conde de Tarouca, Dom Rodrigo de Sousa, Simão de Sousa, Jorge da Silveira, Dom Francisco de Almeida, Dom Garcia de Noronha, Sancho de Tovar, Diogo da Silveira, João da Silveira, Pedro Correia.

Interpretação Rogério Vieira, José Manuel Mendes, Luis Miguel Cintra, Luís Lima Barreto, António Fonseca e Luísa Cruz.

 

3. A poesia satírica no Cancioneiro. A tradição das Trovas de escárnio e maldizer. Leituras de excertos das Trovas De Diogo Fogaça a ua dama muito gorda que se encostou a ele e acaíram ambos e ela disse-lhe sobre isto más palavras, das Trovas De Fernão da Silveira a Dom Rodrigo de Castro que beijou ua dama e ela meteu-lhe a língua na boca e a Resposta de Dom Rodrigo (cousa de folgar).

 

4. Erotismo e licensiosidade. Dramatização das Trovas De João Barbato a Violante de Meira (cousa de folgar).

Interpretação Rogério Vieira e Luísa Cruz.

 

5. A sátira à vida quotidiana. Leitura de um excerto das Trovas De Anrique de Almeida Pássaro à barguilha de Dom Goterre que fez de borcado, endereçadas às damas e Resposta de Fernão da Silveira (cousa de folgar).

 

6. Introdução aos chamados "esboços dramáticos" de Anrique da Mota. Originalidade em relação ao resto do Cancioneiro. Qualidades "dramáticas". Contemporaneidade de Gil Vicente: coincidências e distâncias.

 

7. Alguns dados biográficos sobre Anrique da Mota.

 

8. Introdução à chamada "Lamentação do Clérigo". A herança medieval das festas do vinho. A sátira realista: o clérigo e a criada negra. Cruzamento de influências populares e graças de côrte. As personagens secundárias.

 

9. Representação das Trovas D' Anrique da Mota a um clerigo sobre ua pipa de vinho que se lhe foi polo chão e lementava-o desta maneira.

Interpretação Clérigo Luis Miguel Cintra Negra Rogério Vieira Vigário José Manuel Mendes Álvaro Lopes Luís Lima Barreto Almaxarife António Fonseca Fala Luísa Cruz.

 

10. Introdução à chamada "Farsa do Alfaiate". Teatro e dramatização da realidade. O desenvolvimento da intriga. Os tipos sociais. Caracterização do alfaiate judeu. Judeus e cristãos-novos na dramaturgia da época. A representação do Tribunal. Pontos comuns com Gil Vicente.

 

11. Representação das Trovas D’Anrique da Mota a um alfaiate de Dom Diogo sobre um cruzado que lhe furtaram no Bombarral (cousa de folgar).

Interpretação Alfaiate António Fonseca Dom João Luís Lima Barreto João de Belas Rogério Vieira Juiz Gonçalo da Mota José Manuel Mendes.

 

12. Introdução à chamada "Lamentação da Mula". A tradição medieval dos "prantos" ou lamentos. Pontos comuns entre o clérigo, o alfaiate e a mula. A tradição carnavalesca das festas do burro. Crítica social? Referências à fome e sintomas de corrupção. A mula como personificação da fome? Anrique da Mota personagem. O Autor como comparsa.

 

13. Representação das Trovas D’Anrique da Mota a ua mula muito magra e velha que viu estar no Bombarral à porta de Dom Diogo filho do marquês e era de Dom Anrique seu irmão, que ia em romaria a Nossa Senhora de Nazaréte e levava nela um seu amo (cousa de folgar).

Interpretação Anrique da Mota Luís Lima Barreto Mula José Manuel Mendes e Luísa Cruz Gomes Anriques António Fonseca Amo que ia nela Rogério Vieira Dom Diogo António Fonseca O vedor de Dom Diogo Luis Miguel Cintra.

 

14. A tradição dos animais falantes. Outras trovas de animais no Cancioneiro Geral. Outro pranto de animais: as trovas Do macho ruço de Luis Freire estando para morrer (cousa de folgar) de Dom Rodrigo de Monsanto. Humanização da personagem. Hesitação entre o sério e o burlesco.

 

15. Representação das Trovas do macho ruço.

Interpretação Luis Miguel Cintra.

 

16. O pranto sério. A tradição e a inovação dos "infernos" de amores e os "infernos de namorados" de influência "dantesca". Um "inferno de amores" de tema português no Cancioneiro Geral: as "Trovas à morte de Dona Inês de Castro" de Garcia de Resende. O início da tradição de tratamento literário e dramático do mito. Qualidades dramáticas e líricas das Trovas. O amor e a morte.

 

17. Representação das Trovas que Garcia de Resende fez à morte de Dona Inês de Castro que el Rei Dom Afonso o quarto de Portugal matou em Coimbra por o príncipe Dom Pedro seu filho a ter como mulher, e polo bem que lhe queria não queria casar, endereçadas às damas.

Interpretação Luísa Cruz.

 

18. Outro caso de tratamento literário do mito da Castro na literatura portuguesa da primeira metade do século XVI: a chamada "Visão de Dona Inês"de Anrique da Mota. Qualidades literárias e dramáticas do texto de Anrique da Mota. Relações com os outros tratamentos quinhentistas do tema: a Castro de Ferreira e Os Lusíadas de Camões.

 

19. Dramatização da Carta que Anrique da Mota mandou a el Rei Dom João o terceiro deste nome, da cidade de Coimbra onde estava fazendo ua deligência que lhe sua Alteza mandara, sobre esta morte de Dona Inês.

Interpretação Luís Lima Barreto, Luísa Cruz e António Fonseca.

 

Lisboa: Teatro do Bairro Alto. Estreia: 07/10/1993

 

Apresentação em Évora

42 representações

Companhia subsidiada pela Secretaria de Estado da Cultura

Apoio da Direcção Geral do Ensino Básico e Secundário do Ministério da Educação

Este Espectáculo

A literatura dramática portuguesa é, de facto, de tal modo magra (os poucos grandes que me perdoem), que só isso poderá eventualmente explicar que se escolham os chamados "esboços dramáticos" de Anrique da Mota para introdução dos novos à nossa literatura dramática. Mas assim foi decidido. E essas "Trovas" que tão pouco valor dramático, ou mesmo artístico, têm e que, está mais que claro, não são os primeiros textos dramáticos portugueses, e talvez até nunca tenham sido escritas para ser representadas, ao contrário dos textos de Gil Vicente, são documentos simpáticos de um tempo cultural distantíssimo do nosso, e que é curioso abordar. E constituem, por contraste, um dado fundamental para avaliar o enorme grau de elaboração, essa sim, profundamente dramática, a complexidade e a qualidade poética dos textos de Gil Vicente que com elas conviveram nos mesmos paços da Ribeira e que foram escritos para o mesmo público.

Foi nessa perspectiva que quisemos construir, não este espectáculo, mas este quase espectáculo, esta conferência espectáculo. Mais do que apresentar um "autor", conceito que nesta cultura da nossa corte do princípio do século XVI seria perfeitamente secundário (todos eram autores...), tentámos apresentar uma atmosfera cultural de um lugar (a corte portuguesa) e de um tempo (o Renascimento Português) em que as actividades artísticas de maior ou menor qualidade, não importa, (a música, a poesia, o teatro, etc.) eram prática quotidiana e faziam parte da prática civilizacional de um grupo. A arte não era expressão individual, era vida em comum, o rigor formal era a regra de um permanente jogo e pretexto para rupturas, a poesia, e no fundo toda a prática artística, eram "gentilezas e cousas de folgar". E o teatro não era "profissional", era profundamente artesanal. Rodeado pela grosseria e violência "dramática" dos nossos dias e pelo império do "audio-visual", eu tenho saudades de uma prática artística desse tipo e tenho pena que a História não a tenha conseguido democratizar. Gostava que este quase-espectáculo a propósito de Anrique da Mota, pelo menos, criasse na gente muito nova qualquer ponto de referência de uma maneira mais livre e humana de encarar a arte do que aquela a que terão acesso. Um "tom" que não vão com certeza encontrar nas Televisões nem no Teatro Nacional mas que é indispensável, não digo já para viver com alegria, mas, mais modestamente, para encontrar algum interesse que não seja curricular nesses diálogos dramáticos. Sei que para muitos dos que verão este nosso trabalho, esta será a sua primeira ida ao teatro. Gosto que assim seja. Gostava que gente mais nova pudesse achar mais graça a bancadas que a poltronas, que gostasse mais de ver os bastidores à vista e os actores a entrarem e a saírem dos papéis que um palco à italiana ou a ilusão de vida da telenovela, que percebesse que os actores são tão pessoas como eles e não são os seres de plástico que aparecem nas capas de revista nem são fantoches para o Estado condecorar. Gostava que achassem graça aos textos de Anrique da Mota. Porque não são "artísticos", são despretenciosos, são simples, porque talvez nem sequer sejam teatro e deixam que se brinque aos teatros com eles, porque são escritos a falar com o público, porque trazem para a arte as coisas da vida, porque integram a tradição popular.

Gostava que os textos de Anrique da Mota lhes dessem vontade de representar, não para se tornarem em gente importante, mas por puro prazer.

Mas contra o Rogério Samora dentro do cofre do Banco Fonsecas ou os maços de notas dos concursos TV nada pode a história do cruzado perdido do nosso alfaiate do Bombarral. A nossa tarefa é de certo em vão. Este quase-espectáculo esconde, de facto, um desespero. Que ele sirva, pelo menos, como ajuda aos professores, como instrumento de trabalho didáctico, como complemento às aulas de português. Em tarefas dessa humildade nos orgulhamos. E queremos honrar o título que por ironia oficialmente nos foi atribuído de "Companhia de Interesse Nacional".

 

Luis Miguel Cintra

Imagens

fotografias de Paulo Cintra e Laura Castro Caldas ©





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