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Historial

51 - O Conto de Inverno

Ficha Técnica

 

O Conto de Inverno
de William Shakespeare

 

Tradução Gastão Cruz

Encenação Luis Miguel Cintra

Assistentes de encenação Luís Lima Barreto e Márcia Breia

Cenário e figurinos Cristina Reis

Assistentes de cenografia Linda Gomes Teixeira e Luís Mouro

Colaboração dramatúrgica M. Manuel Nery e José Geraldo

Assistência musical para as canções Luís Madureira

Assistentes de cenografia Linda Gomes Teixeira e Luís Mouro

Montagem Fernando Correia

Assistente de montagem Alexandre Freitas

Ajudante de montagem Isabel Boavida

Guarda-roupa Emília Lima

Costureiras Aline Sêco, Conceição Tavares, Maria Barradas Vieira, M. Delfina Fonseca, M. Eugénia Tomás, Ofélia Lima e Piedade Duarte

Luzes Luis Miguel Cintra e Vitor Ribeiro

Montagem e operação de luz e som Vitor Ribeiro

Contra-regra Alfredo Martinho.

Equipa técnica do Teatro da Trindade:

Maquinista-chefe Manuel Barata

Maquinista Helder Barata

Operador de luz/chefe João Miranda

Operador de luz José António Santos

Operador de som Carlos Garcia

Contra-regra Avelino Leite

Secretário Hermenegildo Alho

Tesoureiro Manuel Fonseca

Bilheteiras Celeste Fialho e Manuela Fialho

Interpretação

Leontes, rei da Sicíliaia Luis Miguel Cintra

Mamílio, seu filho Daniel Durão

Camilo Luís Lima Barreto

Antígono José Manuel Mendes

Cleómeno Luís Lucas

Dion João Romão

Polixeno, rei da Boémia Almeno Gonçalves

Florizel, seu filho Marco Delgado

Arquidamo, um senhor da corte da Boémia José Pinto

O Velho Pastor; presumido pai de Perdita José Pinto

O Parvo, seu filho António Fonseca

Autólico, um aldrabão Adriano Luz

O Carcereiro António Fonseca

O Oficial de Diligências Adriano Luz

Um Marinheiro Miguel Fialho

O Tempo José Manuel Mendes

O Criado do Pastor Pedro Carraca

Outros Senhores da corte de Sicília Pedro Carraca e Miguel Fialho

O Urso João Romão

Hermione, mulher de Leontes Luísa Cruz

Perdita, filha de Leontes e de Hermione Beatriz Batarda

Paulina, mulher de Antígono Márcia Breia

Emília, dama de Hermione Rita Lello

Outras damas de Hermione Gracinda Nave, Carla Bolito e Sara Duarte

Mopsa e Dorcas, pastoras Sara Duarte e Carla Bolito

Outros Pastores Gracinda Nave, Rita Lello e Miguel Fialho

 

Colaboração de Helena Serôdio, Adrian Lawson, John Havelda, Patrick Slagter, jorge Lima Barreto, Robin jones, Elsa Ramsey , Maria do Carmo Vasconcelos e Isabel Cerqueira

 

Lisboa: Teatro da Trindade. Estreia: 14/04/1994

27 representações

Uma co-produção da Lisboa'94 - Capital Europeia da Cultura e do Teatro da Cornucópia

Companhia subsidiada pela Secretaria de Estado da Cultura

Apoio do British Council

Apoio Rádio Comercial

Este Espectáculo

Que estranha peça é esta de que até o título é misterioso? Que conto é este de Inverno? Aquele que o jovem príncipe Mamílio no início do segundo acto conta ao ouvido da sua mãe Hermione e de que só sabemos que começava assim: «Era uma vez um homem... vivia mesmo ao pé dum cemitério»? É aquele conto do ciúme do rei Leontes e da falsa morte de sua mulher que só não ouvimos mais vezes contar porque é «uma daquelas velhas histórias em que dificilmente se acredita» e que «os poetas de baladas» não vão conseguir contar?

O CONTO DE INVERNO é uma peça de teatro que conta uma história. Sente-se o passar do tempo. Diz-se que é uma peça romanesca, diz-se que é um romance. E sabe-se que a história que conta é de facto a história de um homem que um dia se enganou e que pensou que a mulher amava o amigo que ele mais amava e que por isso a mandou prender e um filho morreu e ela morreu também, ou fingiu que morria mas outra filha nasceu que afinal não era bastarda e que foi abandonada e cresceu recolhida por um pastor e veio a amar o filho do amigo e reconciliou os dois homens e fez com que a mãe voltasse da morte para o velho pai arrependido. E diz-se que O CONTO DE INVERNO é uma tragicomédia porque a primeira parte da história desse homem, o rei Leontes, é trágica e triste e a segunda parte da história, quando a filha perdida, de nome Perdita, ama Florizel, filho do amigo de Leontes, é cómica e alegre. Mas o fim da história quando Hermione volta da morte já não sabemos se é triste ou não, custa a nele reconhecer a reconciliação da comédia. Parece que a história que O CONTO DE INVERNO conta não cabe em género nenhum e muito menos é inventada para nalgum caber. Será que aquela história não é uma história de teatro? E será que aquela história é mesmo a história de Leontes? Sente-se o passar do tempo ou é o Tempo que, transformando em narrador no início do 4° Acto, está a falar de si através desta história? É uma moralidade? Trata-se antes do elogio do Tempo, senhor do mundo, que cura todos os males e que na sua eterna metamorfose transforma a luta dos contrários em energia e torna a morte em geradora de vida? O CONTO DE INVERNO conta uma história ou é uma metáfora da vida? É uma celebração da Primavera? O CONTO DE INVERNO põe estas dúvidas, causa este mal estar. É uma peça genialmente impossível de dominar. Tanta coisa não cabe no tempo de uma peça. Este conto caberá no palco de um teatro? Há um desequilíbrio, uma muito grande distância entre aquilo de que se fala e o que se representa, e que tanto mais se sente quanto os processos teatrais da peça são simples e óbvios, dir-se-ia descarnados. Como se se quisesse pôr em causa as regras do teatro e fazê-Ias explodir ao querer chamar os grandes temas, a força do Tempo, o tamanho do mundo, nascer amar e morrer, conhecer. Este teatro não fala de si. Desconstrói-se para melhor amar o que nele não cabe. E transforma-se em poesia. O CONTO DE INVERNO só conta uma história. Mas faz o que só o teatro pode e melhor que qualquer outra poesia sabe fazer: tornar em histórias de deuses as histórias dos mortais, dar carne aos heróis.

A história de O CONTO DE INVERNO também é, sim, a de como a arte imita a vida que nela não cabe mas que só ela representa e dá a ver. É a história da estátua de Hermione. E a história da estátua é a história de uma representação teatral, de uma encenação. Mas fala-se da encenação de Paulina ou de Hermione, amor de Leontes? Fala-se do teatro ou da vida? A estátua era a própria vida. Ou era a morte? Mais que tudo a história de O CONTO DE INVERNO é só a história de Leontes que enlouqueceu de amor, rei por desgraça, porque eles são os que sabem o tamanho do mundo. Chega isso. O teatro faz de uma história assim um conto de gigantes. E ao contar estes contos inventa mitologias, invoca as paixões, ensina a amar a vida e a conhecer os homens. Conta histórias de toda a gente. Sem manhas e com pequeníssimos artifícios. Com muitas palavras, que esta encenação pôs um poeta a traduzir para português. Haverá mais nobre ofício?

Muito tem o teatro falado de si. Talvez ninguém tanto como eu se tenha interessado por isso, como quem reflecte sobre a sua ligação aos outros, às coisas que nos rodeiam, ao poder que a arte tem de transformar o mundo ou dar prazer. Agora estou farto. Deram-nos cabo do assunto. Muito se fala de teatro. E o teatro fala demasiado de si. Toda a gente fala de técnica, de efeitos, de luzes, de cenários ou de guarda-roupas ou de "nudez", "simplicidade", "depuramento", o que vem a dar ao mesmo. Quero lá saber se é assim ou se é assado. Quero saber de que é que se está a falar.

O CONTO DE INVERNO conta-me uma história que gostava de contar a outros. E que gostava de perceber.

A única. A de Adão e Eva. Ou a da arca de Noé. Qualquer coisa assim. É disso que estou a tentar falar no meio desta Babel.

Tanto aparato, este teatro com dourados e veludos, dificultou-nos a tarefa. Gostava mais da nossa sala preta onde mais pura ainda ou mais violenta ficasse a história que contamos. Mas não faz mal. Acredito num texto destes até mais não. Mal ou bem encenado. Mal ou bem iluminado. Mal ou bem vestido. Até bem ou mal representado. Se o amamos assim tanto. Da próxima vez que contar a mesma história, prometo, já não será num teatro como deve ser. Quando voltar a encenar este CONTO DE INVERNO há-de ser diferente, menos encenado. Os grandes textos permitem isso. É muita pena, já não será a mesma Perdita, já não será o mesmo Florizel. Nem o Leontes, a Hermione e o Polixeno os mesmos. Vou ter pena mas não terei perdido tempo. Podia ser o mesmo Autólico... Alguém fala da idade desse malandro? E aquele pastor e o seu filho têm idade? E o bom Camilo e a boa Paulina envelhecem? Cleómeno e Dion são eternos. Do Tempo, que aqui se mascarou de Antígono, que foi quem me salvou a nossa filha (eu acho que era dos três) e do velho senhor que no quinto acto vem dar fim a esta história porque era uma personagem de teatro, desse grande amigo, já não falo. Há-de haver sempre quem lhe vista a pele. Os novos todos quero esperar "mesmo de muletas", até vê-los crescer. Qual deles vai ser o Leontes? E o Polixeno? E a Hermione? Como será o Mamílio? Faço outra vez audições? Os cenários, que há-de haver, e os fatos, que podem ser os mesmos ou outros, como ela quiser, vai ser a Cristina a fazê-los outra vez. Assim Deus a abençoe e lhe dê vida e saúde.

É nestas bagatelas que pensam as pessoas do teatro. Como todas as outras pessoas quando começam a envelhecer.

Ou será que agora o mundo vai mudar tanto que, como diz o nosso velho tempo mascarado, já não haverá depois quem ouça as histórias tão velhas como estas nem quem nelas acredite? Mas se assim for não faz mal que seja assim. Diz o Ruy Belo:

"O gozo áspero do vasto perigo

modulação suavíssima das faces

não cessará de abrir a flor das minhas mãos

E depois disso a neve logo cobre

aquela boca de fim de verão

como esses frescos peixes prateados

olhos dourados ansiosos fixos

que à morte se abandonam resignados

Hei-de saborear o mundo o seu horror

fealdade beleza e harmonia

ver passar o inverno e o verão

e sentir solidão e alegria"

 

Diz isto num poema a que chamou Despeço-me da Terra da Alegria.

 

Luis Miguel Cintra

 

NOTA DO TRADUTOR

Nas peças de Shakespeare coexistem o verso e a prosa, o que não significa que as falas e as situações mais trágicas, mais filosóficas ou mais poéticas nos surjam, necessariamente, sob a forma de verso e só as menos nobres nos sejam apresentadas em prosa. Bastaria recordar a cena das mãos de Lady Macbeth ou o diálogo sobre a caveira, entre Hamlet e Horácio, ambos em prosa, para o confirmar.

N’O CONTO DE INVERNO as coisas passam-se, talvez, de forma diversa, já que as falas em verso estão quase exclusivamente reservadas às personagens da nobreza e às mais nobres emoções, enquanto que as personagens populares, nomeadamente pastores e pastoras, se exprimem em prosa e num registo predominantemente cómico.

Para o tradutor, a primeira questão que se levanta é como encontrar o modo de expressão de cada personagem e de cada estrato social e como unificar esses diversos registos dentro de um estilo que possa corresponder, o melhor possível, em português, ao de Shakespeare, de construção complexa e rico em recursos retóricos.

É evidente que o discurso em verso é, em si próprio, um artificialismo, que como tal deve ser assumido, não apenas pelo tradutor, mas, igualmente pelos actores que irão interpretar o texto. Ninguém na vida quotidiana se exprime em verso - e o verso determina modos de falar mais elípticos, recortes do discurso menos naturais, ou "naturalistas", o respeito pelo que já foi chamado pausa métrica (isto é, a definição rigorosa do final de cada verso, mesmo quando o sentido da frase continua no verso seguinte). Também as cenas em prosa requerem um tratamento, que, valorizando embora algum maior desatavio da linguagem, não deixa de ter em conta os abundantes jogos linguísticos que , neles sublinham a comicidade ou a poesia, ou a associação das duas.

Ao contrário de outros tradutores que, preferiram uniformizar a totalidade da peça numa prosa bastante explicativa e próxima, da linguagem actual, optou-se por aproximar esta tradução da linguagem literária portuguesa da época (ou um pouco anterior - visto que o nosso período áureo termina algumas décadas antes de Shakespeare escrever o CONTO DE INVERNO), mantendo também diferenciadas as secções em verso e em prosa.

Todavia, entendeu-se que uma rigidez excessiva na adopção de um esquema métrico regular não facilitaria o indispensável compromisso com o português contemporâneo. Estabelecendo urna base métrica em que predominam o decassílabo, o hexassílabo e, mais raramente, o alexandrino, medidas de verso que se conjugam harmoniosamente, não se excluiu todavia, sempre que foi necessário, o uso de diversas outras, como o octossílabo, ou metros muito curtos, de quatro a três sílabas, por exemplo, o que, em muitos casos, se terá ajustado particularmente bem a certos momentos dramáticos.

 

Gastão Cruz

Imagens

fotografias de Paulo Cintra e Laura Castro Caldas ©





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