Vai Ver Se Chove
Quatro peças de Georges Courteline
O ARTIGO 330, O SENHOR FACETO, O POLÍCIA NÃO TEM DÓ, O COMISSÁRIO É BOM RAPAZ
Tradução Luís Lima Barreto e Luis Miguel Cintra
Encenação Miguel Guilherme
Assistente de encenação António Pires
Cenário e figurinos Cristina Reis
Assistentes de cenografia Linda Gomes Teixeira e Luís Mouro
Montagem Fernando Correia
Assistente de montagem Alexandre Freitas com a colaboração de João Santos
Guarda-roupa Emília Lima
Costureiras Aline Sêco, Piedade Duarte e Teresa Cavaca
Desenho de luzes Jorge Ribeiro
Montagem e operação de luzes Pedro Marques
Contra-regra Alfredo Martinho
Cabelos Paulo Vieira
Postiços e cabeleiras Casa Victor Manuel
Cartaz Cristina Reis
Interpretação
Adriano Luz, António Pires, Luísa Cruz, Luís Lima Barreto, Luis Miguel Cintra, Miguel Borges, Miguel Guilherme, Rita Loureiro e Rogério Vieira
O ARTIGO 330
O Oficial de Diligências António Pires
O Juiz Luís Lima Barreto
Ladino Luis Miguel Cintra
O Delegado do Minístério Público Rita Loureiro
Outros Juízes Miguel Guilherme e Rogério Vieira
O SENHOR FACETO
Director Adriano Luz
Ovídio António Pires
O Senhor Faceto Miguel Borges
O POLÍCIA NÃO TEM DÓ
Carraspana, Procurador da República Luis Miguel Cintra
O Oficial de Diligências António Pires
O Agente Trabalhão Rogério Vieira
O Barão Chalaça Luís Lima Barreto
O COMISSÁRIO É BOM RAPAZ
O Comissário Miguel Guilherme
Um Senhor Miguel Borges
O Agente Granalha António Pires
O Senhor Sabujo Luís Lima Barreto
A Senhora Veludo Luísa Cruz
Breloque Rogério Vieira
Veludo Adriano Luz
O Agente Matagal Luis Miguel Cintra
Colaboração de Miguel Lobo Antunes, António Simões, José V. dos Santos Carvalho, Sofia Plácido de Abreu, Morais e Castro e Maria do Carmo Vasconcelos
Lisboa: Teatro do Bairro Alto. Estreia: 27/04/1995
Apresentação no Festival Internacional de Almada
37 representações
Companhia subsidiada pela Secretaria de Estado da Cultura
Apoio de Rádio Comercial, Carris, Roldão e Caldeira e Paulo Viera
Será que as peças de Courteline revelam um secreto desejo de uma sociedade anarquista e libertária?
Uma espécie de vontade inconsciente (que contra-senso!) de destruir as amarras sociais que transformam os homens, os homenzinhos, em seres dóceis e resignados, para que o animal selvagem possa surgir com a brutalidade que caracteriza tudo aquilo que é verdadeiramente livre?
Estou a ir longe demais? A ver coisas onde na realidade elas não existem?
No entanto uma coisa é certa, ao ler as peça deste "autor burguês" é impossível não reconhecermos os pequenos carrascos e tiranos que infernalizam o nosso dia a dia, e sobre tudo a estreiteza de vistas que muitas vezes nos impede de ir um bocadinho mais longe. Está bem, tudo isso é muito bonito! Mas ir onde?
Miguel Guilherme
Sabemos o que dizemos? Agimos como pensamos? Pensamos o que queremos? Escolhemos a vida que temos? Será que vivemos em liberdade? Quem dirá que não e quem dirá que sim? Haverá alguma besta que nos tolhe os passos, que se esconde (por trás de sete portas entreabertas)? Há com certeza uma lógica que rege o nosso dia a dia, (uma hidra qualquer de muitas cabeças que nos prenda?), que nos enlouquece e que rouba ao nosso quotidiano a simples lógica que lhe competia, ou a falta de lógica que podíamos desejar. O caso é sério e outros espectáculos nossos já falaram disso. Mas a situação é absurda e vistos um pouco de fora, por trás de uma quarta parede, tornamo-nos caricatos. Era o que, já há um século, e sem grandes pretensões, achava Courteline que, com estas pequenas peças que fugiam do boulevard e se aproximavam do rigor naturalista, se divertia a retratar o cidadão comum e descobria que na verdade dos retratos se revelavam verdadeiras caricaturas. E a revelação, em tom de brincadeira, é grotesca: pensamos com a lógica que nos impede de pensar. As nossas cabeças são burocráticas.
A oportunidade da questão parece-me flagrante, mas será que ainda seremos capazes de ficar do lado de fora e de reconhecer o ridículo da situação? Seja como for, foi por isso que fui buscar as peças de Courteline que há já tanto tempo esperavam por boa altura para as levarmos à cena, e as dei a ler ao Miguel Guilherme. O Miguel gostou. A Cristina construiu-Ihe o indispensável "bureau". E aqui está este espectáculo de VAI VER SE CHOVE que situámos no local de pouca acção de uma das quatro peças, ("Le gendarme est sans pitié"), na pequena cidade de "Écoute-s'il-Pleut", "de nos jours", ou seja, algures neste século XX, às vezes mais cedo outras vezes mais tarde, mas que se situa com certeza por todo o lado. E que põe à prova o vosso e nosso humor.
Gostava que mais actores encenassem. Geraram-se grandes equívocos sobre o que é encenar. Infelizmente é a imagem do espectáculo o que cada vez mais se está a vender (!!!). (E aquilo em que cada vez mais se está a gastar). Compete também aos actores exigir que a arte da encenação seja acima de tudo a atenção ao seu trabalho, o minucioso cuidado de construir em cena alguma realidade humana, alguma verdade na criação de personagens e ficções ou que seja na sua a mera apresentação diante de um público. Os textos de Courteline são, além do mais, como as peças curtas de Tchekov de que estão tão próximas, excelentes e muito difíceis exercícios para actores e para qualquer encenador que se preze. Que longamente e minuciosamente fomos tentando trabalhar com o Miguel. Entre actores. Para nosso e vosso divertimento e sem a lógica que nos domina.
Luis Miguel Cintra