O LÍRIO, Vida e Morte de um Malandro
uma adaptação de Christine Laurent, Cristina Reis e Luis Miguel Cintra da peça LILIOM (Uma lenda suburbana em 7 cenas) de Ferenc Molnár
Tradução Anna Pásztor com a colaboração de Luis Miguel Cintra
Encenação Christine Laurent
Assistente de encenação Pedro Martinez
Cenário e figurinos Cristina Reis
Assistentes para cenário e figurinos Linda Gomes Teixeira e Luís Miguel Santos
Director de montagem Jorge Esteves
Desenho de luzes Daniel Worm d'Assumpção
Montagem eléctrica Pedro Marques com Abel Fernandes
Operação de luz e som Pedro Marques
Banda sonora Vasco Pimentel
Instalação de som Luís Miguel Lopes
Montagem João Paulo Araújo e Abel Fernandes
Construção de adereços Luís Miguel Santos
Guarda-roupa Emília Lima
Costureiras Julieta Carvalho e Teresa Cavaca
Alfaiataria Rodrigues e Alfredo
Conservação do guarda-roupa Alice Madeira
Contra-regra Margarida Amaro
Secretária Amália Barriga
Cartaz Cristina Reis
Interpretação
Rita e Dolores (duas raparigas que vão à Feira) Solange F. e Maria Cuevas
Maria Rita Durão
Júlia Alves Sofia Marques
A Viúva Moscatel Márcia Breia
O Lírio -André Nascimento José Airosa
O Inspector Luís Lima Barreto
O Agente Lopes Pedro Martinez
Policias no Jardim Duarte Guimarães e Nuno Lopes
A Fotógrafa Laura Soveral
O Papo-Seco Luis Miguel Cintra
Um Policia de Braga Almeno Gonçalves
O Filho da Fotógrafa Luís Lucas
Hugo Barros Ricardo Aibéo
O Tesoureiro da Fábrica Almeno Gonçalves
Guardas Republicanos Duarte Guimarães e Nuno Lopes
O Médico Luís Lima Barreto
O Enfermeiro Pedro Martinez
O Droguista Pedro Lacerda
Policias do Céu Duarte Guimarães e Nuno Lopes
O Inspector do Céu Luís Lima Barreto
Um Policia no Céu Pedro Martinez
Dr. Castro e Silva Luís Lucas
Estevão Martins Pedra Lacerda
Luísa Alice Alves ou Sara Silva
Na adaptação, a acção passa-se em Lisboa, no fim dos anos sessenta e a última cena alguns anos depois do 25 de Abril.
A adaptação integra um entreacto (um diálogo entre o Lírio e o Papo-Seco entre a Cena 3 e a Cena 4) inspirado na adaptação francesa da mesma peça por André Adorjan e Iza de Comminges em 1947.
Música Na banda sonora do espectáculo são utilizados os seguintes trechos musicais:
Artur Garcia O cigano (Marcelo Tupynambá/João do Sul); Bob Azam Tintarella di Luna (Migliacci /B. De Filippi); D. Modugno Piove (Domenico Modugno); Eugénia Lima Amêndoas e Alfarrobas (José Ferreiro Pai) ,Traquinices do João (Eugénia Lima), Mulher da Beira (Arlindo de Carvalho), É Tão Linda a Minha Terra (Eugénia Lima);Eugénio Pepe Só Lisboa (Eugénio Pepe), Pepe Fado(Eugénio Pepe/Francisco Nicholson); Mantovani True Love (Porter); Roberto Carlos Quero Que Vá Tudo p'ró Inferno (Roberto Carlos/Erasmo Carlos); TelectuPerformance "Eno to la Monte"(1984) monte". A canção Cautela, ó Zé foi inventada nos ensaios do espectáculo.
Colaboração de Ana de Carvalho, Maria do Carmo Vasconcellos e Helena Pimentel
Lisboa: Teatro do Bairro Alto. Estreia: 22/01/1999
39 representações
Companhia subsidiada pelo Ministério da Cultura
(ainda) mais vida
Além, não muito longe daqui, nas franjas do mundo em marcha, à beira da cidade, ali onde o precário mal resiste ao efémero, imediatamente antes de os buldozers lá virem semear os embriões da febre imobiliária, além, em barracas ambulantes, ri-se, chora-se, esquece-se. Não é caro, não faz mal. Está um bocado fora de moda, é sentimental como as cantigas.
Aqui, até onde chegam as personagens, já não é assim. Tudo parece possível, tudo pode começar. Não vale a pena fazer tábua rasa, nada verdadeiramente conta. É como uma página em branco. Pode-se desenhar em qualquer sentido. Pode-se sonhar. Encontrar alguém. Fazer projectos. Pode- se largar a roupa velha e os hábitos. Talvez mudar de vida? Aqui é um terreno em que o sentimento acabará por vencer a sentimentalidade, o sentimento como inquietude ou rebelião no presente, contra a sentimentalidade passiva e um pouco complacente do passado.
Aqui, o sentimento deslastrar-se-á de tudo o que o espartilha, para aparecer na sua vivacidade essencial, enquanto que lá de longe nos chegarão eflúvios de saudade. A história conta os desejos e os tormentos dum homem jovem, o Lírio, que procura a sua vida até à delinquência. A delinquência muitas vezes não passa de um sintoma de uma exigência de mais vida; é isso que Júlia, a apaixonada do Lírio, compreende. Do incompleto de Lírio confrontado com a plenitude de Júlia surge uma violência cega, de que cada sobressalto une os amantes com uma força irresistível, que ao mesmo tempo lhes proíbe as palavras, os gestos de um amor pacificado. São movidos um para o outro por uma atracção quase muda. São como que imanizados.
E aqui, mesmo neste "terreno vago", o social, incarnado por personagens magníficas, figuras "vulgares" daquilo que somos, vai tentar chamar à razão os sonhadores, para os fazer entrar a bem ou a mal intra-muros, na colmeia laboriosa.
Mas o Lírio é um refractário. Sabe claramente o que não quer, e obscuramente o que procura. Ser livre, fora das leis. Júlia adivinha e pressente o que ele não diz. O mundo, à volta deles, por mais humano e benevolente que seja, nada conseguirá. Nenhuma influência será capaz de os desimanizar. Nem a amizade, nem a ordem, nem o crime, nem a moral, nem a morte, nem o castigo.
O tempo talvez...
No entanto, treze anos mais tarde, durante um breve instante, ilusão ou não, mais uma vez se hão-de imanizar.
Não é uma história verdadeira.
Mas é evidentemente uma verdadeira história. Vão reconhecê-la.
Nos contos e nas lendas, antes de voltarmos a fechar o livro para adormecermos tranquilos, era costume concluir a narrativa com uma "moral", que devia permitir resolver os conflitos, absolver as torpezas, retirar um ensinamento feito de razão e de bom-senso.
Aqui não há "moral". Ninguém tem razão. O Lírio diz-vos isso. Aqui, na terra, às vezes estamos terrivelmente sós para decidir os nossos actos. Ser livre não é um estado, é um movimento. É desejar sem cessar , como as crianças.
Viver pode fazer de nós seres insaciáveis de bens imateriais. Nesse caso seria vital não deixarmos reduzir o nosso desejo.
Christine Laurent