A Sombra de Mart
de Stig Dagerman
Tradução Luís Assis e Melanie Mederlind
Encenação e cenografia Luís Assis
Figurinos Maria Luíz
Assistente para a cenografia Luís Miguel Santos
Director de montagem Jorge Esteves
Desenho de luzes Pedro Marques
Montagem eléctrica Pedro Marques com Rui Simão
Operação de luz e som Pedro Marques
Construção e montagem João Paulo Araújo e Abel Fernandes
Guarda-roupa Emília Lima
Costureiras Aline Seco, Conceição Santos e Piedade Duarte
Conservação do guarda-roupa Alice Madeira
Contra-regra Rui Pragana
Selecção musical Luís Assis com a colaboração de Pedro Marques
Cartaz Cristina Reis
Secretária da Companhia Amália Barriga
Interpretação
Madame Angélica Márcia Breia
Gabriel, seu filho Luís Gaspar
Teresa, noiva do filho falecido Rita Loureiro
Victor, um herói Almeno Gonçalves
Texto Apesar de ambíguo relativamente à sua localização espácio-temporal, o texto contém uma série de referências à cidade de Paris, no pós-guerra. Resolvemos, no entanto, levar mais longe a proposta do autor nas indicações que precedem a peça (acima descritas) e eliminámos essas mesmas referências
Tradução Esta tradução foi feita a partir do original sueco, da edição crítica de As Obras Completas de Stig Dagerman, volume VI, Teatro/1, da editora Norsteds & Söners Förlag, Estocolmo 1982, com notas e comentários de Hans Sandgren
Música Neste espectáculo, são usados breves trechos dos seguintes temas de jazz americano: Glenn Miller Bugle Call Rag (Pettis-Myers) e Slip Horne Jive(Durham-Battle); Charlie Parker A Night in Tunisia (Gillespie e Papparelli); Benny Goodman Good enough for keep (Christian-Goodman) e Duke EllingtonBula (Ellington)
Colaboração de: Rui Martins
Lisboa: Teatro do Bairro Alto. Estreia: 15/07/1999
27 representações
Co-produção Luís Assis /Teatro da Cornucópia . Espectáculo integrado no Ciclo das Gerações
Companhia e projecto anual de Luís Assis subsidiados pelo Ministério da Cultura
Este é, para mim, um espectáculo diferente dos que fiz até aqui. Pela primeira vez arrisco encenar um texto não escrito por mim. Só com a Cornucópia poderia sentir-me à vontade para o fazer. Aqui reencontro os amigos, as afinidades, o rigor de trabalho que me permitiriam conquistar a segurança suficiente para arriscar.
Quando há mais de um ano falei ao Luis Miguel na possibilidade de encenar um espectáculo com a companhia, achei que estava na altura de me pôr à prova. Sentir-me-ia igualmente à vontade a lidar com outra escrita que não a minha? Não estaria eu a precisar desse confronto?
Lemos muita coisa, muitos textos, à espera de encontrar algo que fizesse sentido: para mim e para a Cornucópia. Seria uma co-produção. A peça de Stig Dagerman surgiu-me de surpresa como uma urgência. Sentia-me próximo daquela escrita. O tema da peça parecia, da mesma forma, ajustar-se demasiadamente bem aos dois outros textos, escritos por mim, pensados para este ano. Daí surgiu o Ciclo das Gerações.
A SOMBRA DE MART é uma peça sobre o poder das sombras, segundo Dagerman. Para mim é também um hino à fragilidade do homem. Ou melhor, ao direito que cada ser tem à sua própria fragilidade.
Não posso deixar de olhar para este texto e sentir-me lá espelhado. As gerações que dão nome ao ciclo são a minha, que são muitas. Já lhe chamaram tanta coisa. Tentaram rotulá-la de todas as formas possíveis e imaginárias. Mas é tão difícil fazê-lo em definitivo, felizmente. Esta geração, provavelmente mais do que qualquer outra, tem sobre si o ónus de ter de cumprir todas as expectativas. Não consigo deixar de olhar para a personagem central do drama, Gabriel, e ver-me de alguma forma reflectido no seu rosto. Lamento dizê-lo mas compreendo-o demasiadamente bem. Espera-se sempre algo de Gabriel. Se fosse apenas algo, tudo estaria bem. Mas o que se espera dele está já bem definido, a imagem ideal do que ele devia ser está demasiadamente clara na cabeça da mãe, da Teresa, do Victor. E esta imagem é tão forte que o próprio Gabriel chega a acreditar que a sua missão na vida é corresponder a esse ideal e não ser fiel a si mesmo. E esta imagem é tão forte que "os outros" não conseguem ver para além do vidro fumado desse ideal, de forma a do lado de lá encontrar o que o Gabriel tem realmente de tocante na sua fragilidade.
Como diz Dagerman, no prefácio da peça: "Se o ideal for ter o coração do lado direito temos dificuldade em aceitar as pessoas com o coração do lado esquerdo". Mas como também ele diz, logo a seguir: "Se bem que, contra isso, nada possamos fazer".
Na escrita de Dagerman, em geral, e nesta peça, em particular, encontramos uma espécie de visão amoral do mundo e dos homens. Ou talvez, melhor ainda, uma visão sobre as várias morais e a forma como elas se entrechocam. Dagerman não toma partidos. Coloca-nos sempre na dúvida sobre que partido tomar. Como se todas as situações, como acontece na vida, tivessem dois lados e em que decidir sobre um deles é uma atitude assumidamente individual e intransmissível.
Talvez por isso as personagens se nos apresentem tão pouco personagens e tão dramaticamente humanas, com as contradições que fazem parte de qualquer um de nós e que desafiam qualquer ideia feita acerca da psicologia da personagem.
Confesso que talvez tenha sido isto que realmente me atraiu em A SOMBRA DEMART. Esta humanidade é tão rara. Mesmo na vida, encontramo-la tão poucas vezes, desta forma tão despudorada. Estamos tão habituados a moldar os outros às imagens que criamos na nossa cabeça que é frequente não lhes dar espaço para respirarem a sua verdadeira natureza. E pior, na maior parte das vezes, nem nos damos conta de que o fazemos, julgando-nos possuidores das melhores intenções. Acho difícil não nos vermos revistos nesta história sobre uma sombra.
Por último, e pela minha parte, gostava ainda de dedicar este espectáculo à Maria Luiz, companheira inseparável nesta aventura que começou há três anos com o ENQUANTO O ESPECTÁCULO DECORRE e que tem sido uma peça indispensável no que de bom eu possa ter feito.
Luís Assis