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Historial

75 - Cimbelino

Ficha Técnica

 

Cimbelino
de William Shakespeare

 

Tradução José Manuel Mendes, Luís Lima Barreto e Luis Miguel Cintra

Encenação Luis Miguel Cintra

Cenário e Figurinos Cristina Reis

Desenho de luz Daniel Worm d'Assumpção

Música Telectu

Assistente de encenação Nicolau dos Mares

Assistentes para o cenário e figurinos Linda Gomes Teixeira e Luís Miguel Santos

Director de montagem Jorge Esteves

Montagem e operação de luzes Pedro Marques

Construção e montagem João Paulo Araújo e Abel Fernando

Adereços Luís Miguel Santos

Contra-regra Manuel Romano

Guarda-roupa Emília Lima

Costureiras Conceição Santos, Maria Barradas e Piedade Duarte

Montagem e operação de som Luís Miguel Lopes

Professor de voz para a canção Luís Madureira

Conservação do guarda-roupa Alice Madeira

Cartaz Cristina Reis

Secretária da Companhia Amália Barriga

Interpretação

Cimbelino, rei da Britânia José Manuel Mendes

A Rainha, sua segunda mulher Márcia Breia

Imogénia, sua filha de uma anterior rainha, depois disfarçada no pagem Fidélio Rita Durão

Póstumo Leonato, marido dela José Airosa

Cloten, o filho da rainha, de um anterior marido Ricardo Aibéo

Pisânio, o criado de Póstumo Luís Lima Barreto

Cornélio, um médico - incorporando as falas do Primeiro Fidalgo (1.1), Segundo Nobre (1.2; 2.1; 2.3), Mensageiro (2.3; 3.5), um Nobre (4.3; 5.3) e Primeiro Capitão (5.3) e Mensageiro (5.3) Luís Lucas

Helena, uma aia de Imogénia - incorporando as falas das damas de 1.3 , 1.5 e 2.3 Sofia Marques

Primeiro Nobre e Músico cantor Francisco Nascimento

Segundo Fidalgo Nicolau dos Mares

Carcereiro, incorporando fala do Segundo Capitão (5.3) Nicolau dos Mares

Filário, hospedeiro de Póstumo em Roma Luis Miguel Cintra

Giacomo, um fidalgo italiano Rogério Samora

Um Francês Nicolau dos Mares

Um Holandês Nuno Lopes

Um Espanhol Duarte Guimarães

Caio Lúcio, embaixador romano e antigo general do exército romano Diogo Dória

Filarmónio, um adivinho Francisco Nascimento

Um Senador romano Nicolau dos Mares

Um Capitão romano Nicolau dos Mares

Belário, um nobre banido que vive perto do porto de Milford, em Gales, sob o nome de Morgan Luis Miguel Cintra

Guidério, filho de Cimbelino, conhecido como Polidoro, filho de Morgan Nuno Lopes

Arvirago, filho de Cimbelino, conhecido como Cadwal, filho de Morgan Duarte Guimarães

Aparições: Júpiter, rei dos deuses José Manuel Mendes Sicílio Leonato, pai de Póstumo Luís Lima Barreto Sua mulher, Mãe de Póstumo Márcia Breia Dois Irmãos de Póstumo Nuno Lopes e Duarte Guimarães

 

Tradução 1. Para a tradução de CYMBELINE seguimos a edição de Roger Warren para colecção Oxford World's Classics da Oxford University Press, Oxford - New York, 1998.

2. A tradução obedeceu sobretudo às exigências do espectáculo. Pretendeu conservar a distinção entre os trechos em verso e os trechos em prosa do original. Para a tradução do verso shakespeareano não houve, no entanto, a pretensão de conservar qualquer rigor métrico mas apenas alguma cadência rítmica que o distinguisse do texto em prosa e sugerisse o verso original. Conservou-se a rima para os trechos em verso rimado por ela nos parecer importante para a sua função dramática, excepto no texto dos fantasmas da cena 5.3 em que, por ser irregular, não nos mereceu o mesmo cuidado. A tradução da canção Hark, hark, the lark (2.3) aqui publicada obedeceu a esse critério mas, para o espectáculo, foi adaptada  às necessidades rítmicas da música utilizada.

3. Tendo em vista também a representação da tradução, optámos por aportuguesar os nomes das personagens, quando possível, incluindo os nomes romanos, de acordo, aliás, com a tradição portuguesa.

4. Apesar da edição de Roger Warren, com base em investigação filológica, corrigir o nome da principal personagem feminina, tal como aparece na primeira edição da peça IMOGEN - para Innogen, preferimos adaptá-lo a partir da forma como tradicionalmente é conhecida, por razões fónicas. Para o nome da personagem Giacomo seguimos a edição corrigida de Warren e não a primeira edição, onde aparece como Iachimo.

Música A música para a canção Hark, Hark, the lark (Ouvi, ouvi, - 2.3) segue a melodia da composição de Robert Johnson (c. 1582-1633)

 

Colaboração de Jacques Parsi, Miguel Quadrio e Cinemate (Porto)

 

Lisboa: Teatro do Bairro Alto. Estreia: 15/06/2000

40 representações

Companhia subsidiada pela Secretaria de Estado da Cultura

Apoio British Council e RDP, Antena 1

Este Espectáculo

Se não me engano, CIMBELINO é uma peça simbólica sobre a civilização, as relações entre o homem e a natureza, a cultura.

Vejamos: a história é a de um rei, ou seja, quem tem a responsabilidade e o poder de organizar a sociedade dos homens, quem herdou ou representa entre os homens a autoridade de deus. Ele é a consciência. E ele tem o dever de assegurar a descendência, de continuar o mundo. Carrega o tempo sobre os ombros. Continua uma linhagem: é o tronco de uma árvore que continua a memória de todos os mortos e donde sairão novos ramos até chegar ao céu. O símbolo é natural. Da terra que tem água se alimenta e entre o fogo das paixões vai crescendo para cima, para o ar, para a paz. A árvore é o Homem, obra prima da vida, árvore também, como no NON de Oliveira.

E, se não me engano, a peça começa com um erro, ou um desgosto: uma cegueira, uma inconsciência, uma mentira. O fogo de um amor por uma rainha que não tinha amor leva o rei a impedir um enxerto em sua árvore que seu saber, sua cultura, tinha preparado, a proibir o amor de sua filha Imogénia por um puro, Póstumo Leonato, por si educado como um filho. Isto numa côrte doente, ou seja, numa sociedade esquecida do seu natural, mergulhada na mentira e corrompida pelo dinheiro e pelos jogos de poder. Essa doença, privara já o rei de seus dois filhos varões: outra inconsciência, outra cegueira, levara o rei a ouvir uma mentira e a ser injusto, confundindo a lealdade de Belário com a traição. E levando assim o justo a corrigi-lo, tornando-se em regente, ou num rei no exílio, e guardando os dois rebentos longe da peçonha, à espera do tempo, numa floresta de que se tornou jardineiro. Nos dois casos o rei deixou errar o seu saber, nos dois casos o rei esqueceu que fazer viver seu tronco era a sua responsabilidade, e que fazer viver o tronco é uma arte, é educar a natureza, é o mais nobre ofício de transformar a vida em civilização. Depois a peça é a história de um violentíssimo processo para a própria reeducação do rei, o seu arrependimento. É a história de uma luta contra a morte e o caos da inconsciência, que é movida por um fogo: a generosidade, verdadeira natureza humana, capaz de todos os excessos, de toda a grandeza. Imogénia e PóstumoPisânioGuidério e ArviragoBelárioCaio Lúcio e até, modestamente, Cornélio, todos têm amor, e esse fogo e Deus ou o Tempo, seu instrumento natural, conseguem levar o Homem até ao sonho da paz, até à final harmonia do rei com a sua responsabilidade, à reconciliação com a simplicidade original, ao perfeito equilíbrio entre a vontade do Homem e as forças naturais, a civilização.

Mas sonho. Tão inverosímil como toda a peça. Tão inacreditavelmente complexa e teatral é a intriga, onde até aparece um "jack in the box", o demónio (italiano) a seduzir a virtude, e onde até há visões de deuses e fantasmas e onde, por milagre, numa guerra três homens se transformam em anjos ou gigantes para tornar cobardes em valentes e derrotar exércitos e o remorso tira a força aos homens maus, tão imaginária é esta Britânia ou aquela Itália de todos os contos, que uma enorme amargura a atravessa. Tudo isto não existe, talvez ou com certeza. É teatro. Há muitas guerras mas não há paz assim. "Nunca houve uma guerra que primeiro que das mãos lavasse o sangue assim termine em paz". A visão do mundo que esta peça pressupõe é negra. Os homens que conhecemos são mais mesquinhos, a árvore está podre, a sociedade em que vivemos é o reino corrupto de Cimbelino. Tudo o resto é inventado. Mas tudo isto é também desejado. O homem civilizado é, pelo menos, capaz destes sonhos, a cultura que herdou e que passou a ser seiva para o seu tronco, torna-o capaz de não desistir, de desejar uma grandeza destas para o ser humano. Gosto até à morte de um teatro que a si próprio se usa para assim não desistir do Homem. Para imaginar a redenção.

E este é o sonho que uma memória fabrica. Se esta é a história de um rei que é a consciência do mundo, é nessa consciência ou em seu inconsciente, que todo este sonho se gera. Neste palácio se inventa uma Itália, neste palácio surgem grutas e montanhas, neste palácio cresce a guerra em pesadelo. Estepalácio é também a nossa memória. A consciência da História. Este teatro pressupõe uma cultura. Esta peça que tem a mais complexa intriga que se pode imaginar, não está interessada em contar uma nova história, lembra o já sabido. É um enorme jogo com a memória de todas as histórias que a cultura inventou, repetiu e glosou e guardou na memória. Coisas das nossas vidas e das vidas dos outros, da tradição popular, episódios das crónicas, da Bíblia, da tragédia grega, de todas as comédias, de contos de fadas e carnavais, pedaços de música, de poesias. Entretém-se a cruzar estas coisas, a revelar ou inventar os laços que as podem unir. Desequilibradamente, sim, ao ritmo da paixão, mas, ao contrário do que se diz, numa perfeita unidade. Como nos sonhos. E parece um puzzle de citações. Citações de todos os contos tornados em teatro. Citações também de tantas personagens e histórias de todo o teatro que Shakespeare foi escrevendo para mostrar o Homem. Este teatro quer ser jogo, ou convenção, para se tornar em terreno de mitos, representar o Homem, dar-lhe sentido, ou temer e amar o seu mistério, naquele ponto em que a memória já confunde todas as épocas para só tentar conhecer, divertindo-se com os seus anacronismos.

O nosso cenário é um espaço para este jogo, esta reelaboração, é um laboratório e uma biblioteca e um ringue. Pouco importa a construção de imagens. Em cena estão actores que vão dando carne a todo um repertório de situações e personagens que nos lembram outras mil e é na nossa memória feita de cultura de tantas gerações que mil imagens se terão de construir num painel tão grande que toda a humanidade há-de estar representada. E sonhada no desejo de uma grande paz.

O nosso ofício, é este jogo civilizado. Dar sentido a uma torrente de temperamentos, pôr a memória a conviver com o desejo, encontrar maneiras de pensar a vida neste felizmente selvagem prazer de em quatro horas cada dia expormos nossa energia, nosso corpo, nossas imaginadas mas mais fortes emoções, nossa fraqueza. Tirando da cartola da nossa natureza os anjos e os monstros, os bobos, os deuses e os fantasmas que a nossa cultura gerou. Em toda a imperfeição. É este o nosso desporto. Sonhar convosco uma vida maior. A mentir se busca a verdade. Assim se morre por amor. Assim nos educamos na floresta. E queremos ser príncipes porque "o barro difere de outro barro em sua dignidade, sendo igual a poeira dos dois". "Há na natureza farinha e farelo e há desdém e graça".

 

Luis Miguel Cintra

Imagens

fotografias de Paulo Cintra e Laura Castro Caldas ©





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