Paul Claudel DUAS CARTAS
Capítulos VIII e IX do livro Au milieu des Vitraux de L’Apocalypse, livro póstumo de comentários ao Apocalipse começado em 1928 e dado por terminado em 1932, publicado em 1966, editions Gallimard.
Tradução Maria João Brilhante
Leitura Luis Miguel Cintra
Espaço cénico Cristina Reis
Iluminação Cristina Reis e Luis Miguel Cintra com Rui Seabra
Assistente de encenação e Contra-regra Manuel Romano
Colaboração para o som Joaquim Pinto e Nuno Leonel
Música Arthur Honegger, Sonatina para Clarinete e Piano (clarinete Karl-Heinz Stephens piano David Gazarof)
Lisboa: Teatro do Bairro Alto. 26 e 27/01/2013
2 representações
Estrutura financiada por Secretário de Estado da Cultura/Direcção Geral das Artes
Quer o texto de Pasolini que aqui se leu há uma semana, quer estas duas cartas de Claudel pensámos nós que dialogariam com o texto da peça de Tolentino de Mendonça com que fechará o ciclo O Nome de Deus. Mas que têm em comum? Duas coisas, pelo menos. Todos têm por assunto o conhecimento ou o reconhecimento do sagrado na vida. Pasolini afirma-o, Claudel reafirma-o, Tolentino interroga-o. E é comum um profundo desgosto com o desenvolvimento industrial e um progresso da humanidade que a afasta da verdadeira condição humana, ou do sagrado da sua natureza, sagrado para Claudel porque assim o lê na Bíblia, para Pasolini porque o ama e nele se reconhece, na peça de Tolentino porque o crê. E o quer figurar sem O nomear. E nos três casos se ensina. Porque se sabe, porque se ama, porque se duvida. E nos três casos com palavras.
Tal como acontece em Gennariello de Pasolini, estes textos de Claudel assumem a forma de cartas. Falam a outros. Querem ensinar. Querem falar afinal do Homem, no caso de Claudel, obra de Deus porque assim o diz a Doutrina, a Lei. No caso de Pasolini tornando a vida tão sagrada que não são as palavras que a podem dar a conhecer, é a própria vida que provoca o conhecimento que depois as palavras vão contar. Mas os dois com palavras fazem, em princípio, pedagogia. Claudel fala a uma filha verdadeira que parece artifício literário, e Pasolini a um jovem que inventa mas que se torna tão real que quase o vemos. Curiosamente onde em princípio estaria mais verdade, na relação com a filha, é onde mais nos parece existir uma pose artística, ou se se quiser, uma ambição literária, que acaba por nada nos contar, nem do Homem nem de Deus, não toca no real. A démarche de Pasolini é oposta, é uma necessidade de redescobrir o corpo como o lugar da vida de cada um, com um amor ao real que em Claudel, se é que existe, é logo abafado por um verdadeiro e genial fogo de artifício feito de palavras que só ganham sentido na exibição da inteligência e da Arte de quem as profere. Claudel, longe do mundo dos outros, escolhe como destinatário a segurança de quem já conhece, a família, o seu mundo, no mesmo ponto onde Pasolini deseja tudo e deseja conhecer, inventa o outro onde busca uma nova relação leal com o desconhecido e uma rejeição dos valores burgueses em que o pensamento manda, organiza o mundo, que matam qualquer olhar sobre a vida. Servem-nos as palavras para contar ou para conhecer?
Estas duas cartas de Claudel são parte de um livro que quer ser uma interpretação da Bíblia que é o livro Sagrado dos Cristãos. Claudel depois de se converter, sempre ao longo de toda a vida, foi pacientemente elaborando hipóteses da sua interpretação. Com uma ousadia, ou uma cegueira que não pode ser senão fingida. É como se quisesse provar até à exaustão que nenhuma explicação conhece Deus. Muda os nomes por outros nomes. Traduz o nome de Deus. Humildemente? Como? Porquê? Porque quer contar que o conhece? Como o faz cada celebrante na pregação que interrompe a missa? É isso o que sempre fez a Igreja. E é isso também que se debate na peça de Tolentino O Estado do Bosque. Como se fala de Deus, ou antes, como se O conhece ou se O dá a conhecer, esse Deus de que diz o Cristianismo, pelas palavras de João, que “no princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus.” Quando ninguém falava. Quando? Antes? Deus está fora do Tempo. Mas o Homem que era Deus, Jesus, também morreu. E quando era Homem falou, mas só falou por metáforas. Em vez de Deus, disse Pai. Ele era o Filho. Há um criador. Se cada um acreditar.
Não se passa pela vida sem uma reflexão sobre as palavras. A relação da Arte com a Vida está na criação das metáforas que trazem à vida a responsabilidade de cada um.
Luis Miguel Cintra