O Teatro da Cornucópia foi fundado em 1973 por Jorge Silva Melo e Luis Miguel Cintra, vindos do teatro universitário, que reuniram em torno do seu projecto de companhia de teatro um pequeno grupo de actores profissionais. Até ao 25 de Abril de 1974 trabalhou sem sede própria e foi apoiado por subsídios esporádicos da Fundação Calouste Gulbenkian. O programa inicial, condicionado pela censura fascista, centrava-se no reportório clássico (Molière e Marivaux). A partir de 1974 centrou-se na dramaturgia contemporânea com a intenção de construir um teatro de reflexão com uma função activa na realidade cultural portuguesa. Num primeiro ciclo temático (pequena burguesia-revolução-dominação ideológica), entre 1974 e 1977, levou à cena Terror e Miséria no Terceiro Reich e Tambores na Noite de Brecht, Pequenos Burgueses de Gorki, Ah Q de Jean Jourdheuil e Bernard Chartreux, Casimiro e Carolina de Odon Von Horváth, Woyzeck de Büchner, Alta Austria e Música Para Si de Kroetz e O Treino do Campeão Antes da Corrida de Michel Deutsch. Foi em 1975 que a Companhia teve a colaboração dramatúrgica de Jean Jourdheuil e que nela ingressou a cenógrafa Cristina Reis que, a partir de 1980, com a saída de Jorge Silva Melo, viria a partilhar a direcção com Luis Miguel Cintra.
Muitas vezes a Companhia criou ciclos temáticos como propostas de reflexão. Assim, dedicou ao cómico e à comédia um ciclo em que incluiu um espectáculo com textos de Karl Valentin, um espectáculo com textos de Plauto, Capitão Schelle, Capitão Eçço de Rezvani, O Labirinto de Creta de António José da Silva (o Judeu), Não se Paga, Não se Paga de Dario Fo. A partir de 1983 com o espectáculo Oratória (montagem de textos de Gil Vicente, Goethe e Brecht) a companhia centra o seu reportório num tema a que chamou “O Mal Estar do Nosso Tempo” onde incluiu Mariana Espera Casamento de Jean Paul Wenzel e Novas Perspectivas de Xaver Kroetz, A Missão de Heiner Müller e O Parque de Botho Strauss. Apesar de menos organizada em ciclos temáticos, é uma tendência eminentemente reflexiva e poética que se vai acentuando na programação posterior a 1985 com espectáculos como Ricardo III de Shakespeare, um ciclo de 3 espectáculos de Strindberg ou a Trilogia da Guerra de Edward Bond. A propósito da queda do regime comunista nos países de Leste, em 1992 voltaria a Heiner Müller, com nova encenação de A Missão e com Mauser.
A reflexão sobre diferentes temas acabou por estender-se ao próprio teatro como representação da vida. Assim, a Companhia dedicou a esse tema um ciclo em que incluiu O Público de García Lorca, Céu de Papel (montagem de textos de Pirandello e Beckett), Salada (uma colagem de números tradicionais de palhaços), Um Poeta Afinado de Manoel de Figueiredo. Para representação da própria vida, o chamado “teatro dentro do teatro”, incluiu Fingido Verdadeiro a partir de Lope de Vega, A Tempestade de Shakespeare mas também a Cacatua Verde de Schnitzler, A Varanda de Genet e Fim de Citação, colagem de textos de vários autores, uma espécie de arte poética. O cruzamento desta temática com o cristianismo constituiu outro filão: Fingido Verdadeiro, o ciclo O Nome de Deus, Morte de Judas e Miserere. Recorrente na programação, o tema do descrédito da vida política e a decepção dos ideais democráticos numa época de um certo vazio ideológico: Tiestes de Séneca, Tito Andrónico e A Tragédia de Júlio César de Shakespeare, Anatomia Tito Fall of Rome de Heiner Müller, Um Homem é um Homem de Brecht, A Cadeira de Bond, Sangue no Pescoço do Gato de Fassbinder, Filoctetes de Sófocles, e tantos outros até Pílades de Pasolini.
O Teatro da Cornucópia levou à cena alguns dos grandes clássicos de todos os tempos (Shakespeare, Strindberg, Wycherley, Tchekov, Gil Vicente, Corneille, Lope de Vega, Beaumarchais, Hölderlin, Lenz, Séneca, Calderón, Kleist, Sófocles, Ibsen, Schiller, Goethe, Aristófanes, Marivaux, Eurípides,…), e abordou textos de muitos géneros mas a sua orientação não foi a de uma companhia de reportório. Pretendeu intervir culturalmente na sociedade portuguesa e não abdicar do teatro como terreno privilegiado da criação artística e grande instrumento de pensamento das sociedades. Desde 1990 abordou alguns dos dramaturgos de escrita mais radical do século XX (Müller, Beckett, Orton, Botho Strauss, Peter Handke, Edward Bond, Genet, Gertrude Stein, Lars Nóren, Brecht, Pasolini, Fassbinder, Wedekind).
Em várias ocasiões elaborou espectáculos a partir de textos não teatrais: de Raul Brandão, a Primavera Negra; de Francisco de Holanda, Diálogos sobre a Pintura na Cidade de Roma; o poema A Margem da Alegria de Ruy Belo; de Schnitzler, A Menina Else e de Claudel A Morte de Judas.
Convidou encenadores estrangeiros: Stephan Stroux, Christine Laurent, Brigitte Jaques, Carlos Aladro, Ana Zamora; produziu e co-produziu espectáculos de jovens encenadores: Adriano Luz, António Fonseca, Miguel Guilherme, José Meireles, António Pires, José Wallenstein, Daniel Worm d'Assumpção, Luís Assis, Ricardo Aibéo, Rita Loureiro, Beatriz Batarda, Dinarte Branco;um espectáculo de novíssimos actores, O Dia de Marte; um espectáculo com amadores, Ilusão de onde surgiu um pequeno grupo de teatro (Os Ilusionistas), cujo primeiro espectáculo foi acolhido pela Companhia.
Desde sempre o Teatro da Cornucópia se empenhou no contacto com grupos escolares de professores e alunos,estabelecendo trabalho prévio com os docentes no sentido de preparar vindas regulares a espectáculos seguidos de conversas. Acções de formação como o Atelier Cordel/Cornucópia em 2013 com alunos da Escola Superior de Teatro e Cinemae Atelier Narciso em 2015, trouxeram à Companhia a aproximação com uma geração de actores ainda em formação e que vieram a integrar o elenco de alguns dos seus espectáculos. Daí resultou o nascimento de uma nova companhia, O Teatro da Cidade, cuja primeiraprodução foi integrada na programação de 2016 do Teatro da Cornucópia.
Para além da apresentação normal dos seus espectáculos, o Teatro da Cornucópia procurou dinamizar o seu espaço com outras actividades. A Companhia acolheu nas suas instalações espectáculos de outros grupos e realizou inúmeras actividades paralelas (apresentação de livros, conferências, semanas temáticas, ciclos de cinema, cursos de técnica básica para actores, colóquios, exposições, leituras de textos, concertos, recitais, ensaios abertos, etc.). Para cada espectáculo a Companhia publicou programas, os conhecidos Textos-de-Apoio, uma antologia desenvolvida de materiais que completavam a compreensão de cada encenação.
O Teatro da Cornucópia foi regularmente subsidiado pelo Estado,tendo recebido apoios pontuais da Fundação Gulbenkian e de várias entidades como o Instituto Alemão, o British Council, a Embaixada de Espanha, a Embaixada da Suécia, a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, o Instituto Camões, o Inatel, a Câmara Municipal de Lisboa, etc.
Desde 1975, a Companhia trabalhou no Teatro do Bairro Alto, antigo Centro de Amadores de Ballet, espaço que por intervenção de João de Freitas Branco, lhe foi cedido pela Secretaria de Estado da Cultura. Em 1986/7 o edifício sofreu grandes obras de melhoramento que o tornou num espaço privilegiado para todo o género de espectáculos. Este local de trabalho permitiu à Companhia uma permanente experimentação de espaços cénicos, uma inversão da relação tradicional do palco com a plateia.
O Teatro da Cornucópia fez digressões a outras cidades do país e apresentou regularmente os seus espectáculos fora de Lisboa.
Em 1984 participou no XXXII Festival Internacional de Teatro da Bienal de Veneza com A Missão de Heiner Müller. Em 1991 apresentou no Théâtre Varia de Bruxelas Comédia de Rubena de Gil Vicente integrado na Europália'91 dedicada a Portugal e no mesmo ano apresentou esse espectáculo em Udine (Itália) integrado na organização L'École des Maîtres. Em 1994 os espectáculos Conto de Inverno de Shakespeare e O Triunfo do Inverno de Gil Vicente foram integrados na programação de Lisboa94, Capital Europeia da Cultura. Em 1995 apresentou o Triunfo do Inverno no Théâtre de la Commune-Pandora, Aubervilliers (Paris). Em 1998 participa no Festival dos 100 Dias da Expo'98 com um projecto (Teatro do Mundo - Teatro do Eu) que marca os seus 25 anos de actividade e em que volta a três autores do século XX já abordados em espectáculos anteriores da Companhia: Strindgberg (Um Sonho), García Lorca (Quando Passarem Cinco Anos) e Heiner Müller (Máquina Hamlet).
Fez co-produções com o Teatro Nacional S. João, Teatro Nacional D. Maria II, Teatro Nacional S. Carlos, e Teatro Municipal de AlmadaeSão Luiz Teatro Municipal. Por várias vezes integrou o Festival de Teatro de Almada.
Fez a estreia mundial de três textos: O Colar de Sophia de Mello Breyner Andresen em 2002, A Cadeira de Edward Bond em 2005 e O Estado do Bosque de José Tolentino Mendonça em 2013.
Realizou ainda para a televisão, em co-produção com o Grupo Zero, a filmagem de Música Para Si, Viagem Para a Felicidade e Novas Perspectivas de Kroetz e E Não Se Pode Exterminá-lo? de Karl Valentin com realização de Solveig Nordlund. Fez a produção do espectáculo A Morte do Príncipe com Luis Miguel Cintra e Maria de Medeiros, a partir de textos de Fernando Pessoa, para o Festival de Avignon de 1988 e o Festival de Outono de Paris de 1989. Apresentou no Teatro do Bairro Alto em 1990, em colaboração com a RTP o espectáculo de ópera Façade/O Urso de William Walton, com direcção musical de João Paulo Santos e filmado por Oliveira Costa. No ano 2000 realizou outro espectáculo de ópera em co-produção com a Culturporto/Rivoli Teatro Municipal, o Teatro Nacional S. Carlos e a Orquestra Nacional do Porto, também com direcção musical de João Paulo Santos: The English Cat de Hans Werner Henze/Edward Bond. Com o mesmo maestro levou à cena em 2002 História do Soldado de Stravinsky/Ramuz. Colaborou com o Teatro Nacional de S. Carlos em 2003 na apresentação da oratória cénica de Honnegger-Claudel Jeanne d’Arc au Bûcher e co-produziu em 2016 Dialogues des Carmélites de Francis Poulenc sobre textos de Georges Bernanos.
O Teatro da Cornucópia editou dois livros que registam o seu trabalho ao longo dos seus 43 anos de existência:
- 1.º volume, Teatro da Cornucópia – Espectáculos de 1973 a 2001, editado em 2002.
- 2.º volume, Teatro da Cornucópia – Espectáculos de 2002 a 2016, editado em 2016.